Estas paisagens são comestíveis e põem as pessoas a conversar
Imagina um sítio em que cada um pode plantar e colher fruta e legumes onde lhe apetecer — incluindo a rotunda e a esquadra da polícia. Bem-vindos à vila inglesa de Todmorden, onde os vegetais mudam o comportamento das pessoas
Pensa numa vila onde todos os pedacinhos de terra são transformados em hortas. Hortas urbanas. E comunitárias. Qualquer um pode plantar, qualquer um pode colher. Um lugar onde os melhores morangos da cidade estão num canteiro cultivado junto à esquadra da polícia (também há bons morangos no cemitério mas, apesar dos solos serem extremamente bons, não sabem tão bem, percebe-se). Uma vila onde a rotunda central acolhe uma plantação de cenouras. Esse lugar existe. Lá, as paisagens são comestíveis e os vegetais mudaram o comportamento das pessoas.
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Pensa numa vila onde todos os pedacinhos de terra são transformados em hortas. Hortas urbanas. E comunitárias. Qualquer um pode plantar, qualquer um pode colher. Um lugar onde os melhores morangos da cidade estão num canteiro cultivado junto à esquadra da polícia (também há bons morangos no cemitério mas, apesar dos solos serem extremamente bons, não sabem tão bem, percebe-se). Uma vila onde a rotunda central acolhe uma plantação de cenouras. Esse lugar existe. Lá, as paisagens são comestíveis e os vegetais mudaram o comportamento das pessoas.
Esta descrição corresponde ao quotidiano da localidade inglesa de Todmorden, entre Manchester e Leeds. Esta povoação de apenas 15 mil pessoas (tantas quantas, por exemplo, a Nazaré) era, até há seis anos, perfeitamente desconhecida para o mundo. Hoje, esta pequena cidade, “incrivelmente comestível”, é o local onde nasceu a expressão “jardins de propaganda” e o movimento “Incredible Edible”, que se traduzem em hortas urbanas a cada esquina.
Pam Warhurst tem 62 anos mas, com a sua energia e boa disposição, ninguém lhos daria. Juntamente com Mary Clear e um grupo de, até à primeira reunião, “perfeitos desconhecidos” — conta-nos Pam, numa conversa via Skype — tiveram a ideia de transformar vários terrenos públicos sem uso em hortas comunitárias.
Pam explica melhor: "Há uma altura na vida em que todos pensamos em dizer "basta!" Estava farta do estado das coisas." Por isso, há seis anos, em vez de esperar que outra pessoa o fizesse, Pam diz ter pensado algo como: "Ora bolas! Por onde começar? Não exige muito, na realidade, apenas temos de fazer com que as pessoas comecem a falar! E uma das melhores maneiras de o fazer é começando a plantar alimentos em sítios 'muito públicos'. É acessível, saudável, e acima de tudo, sustentável."
Vegetais põem as pessoas a conversar
Do que começou por ser apenas uns metros quadrados de plantação de ervas, os “jardins de propaganda” podem agora ser encontrados na berma da linha ferroviária, junto aos lugares de estacionamento, em frente ao hospital, na rotunda central... Mas o que é isto de “jardins de propaganda”?
“Usámos a palavra "propaganda" porque quando plantávamos, as pessoas comentavam: 'que raio estás a fazer?! O que é isso?'. E este interesse levou — e leva — a que, à medida que o tempo passa, se tivermos jardins de propaganda suficientes, e se usarmos bem os meios de comunicação, pessoas que não se conhecem comecem a falar. E tudo o que fizemos foi plantar vegetais.”
Debate, comunidade, partilha, revolução, economia local, inclusão, são palavras recorrentes no seu discurso. E apesar do foco ser local, o fenómeno tornou-se global. Pessoas de sítios tão distantes como a Nova Zelândia, Gana ou Japão, contactam os mentores do projecto frequentemente para descobrirem como replicar a ideia nas suas localidades.
Ocupar o jardim da esquadra
“Quando plantámos no jardim em frente à esquadra da polícia — algo que de facto fizemos, porque, a) é numa via pública e, b) porque nos fazia rir — obtivemos uma reacção muito interessante", explica Pam a rir. "Algo muito curioso na nossa sociedade é que temos a ideia das 'autoridades' como uma entidade invisível, longínqua, mas se pensarmos nos polícias locais, nós conhecemo-los", continua. "E se fizermos o contacto numa escala humana, eles tendem a dizer: sim. Por isso, não vão pelo caminho da burocracia, vão ter com as pessoas.” E acrescenta: “os próprios polícias dizem que a relação que têm agora com a comunidade é melhor do que nunca. Não é interessante?”
Sem relatórios, consultores, ou documentos de estratégia. Apenas puseram mãos ao trabalho. E não esperaram por um cheque, ouvimos a mesma Pam contar numa Ted Talk (legendada em Português), em Maio do ano passado, que conta com mais de 700 mil visualizações.
Três pratos — que representam a comunidade, a educação e o comércio — são uma metáfora que usa com frequência. Na génese do projecto encontra-se a sinergia com a escola local, com vista em dotar as futuras gerações com os princípios inerentes ao movimento.
E o comércio local não sairá prejudicado? “Não, porque começa a haver mais interesse pela comida e pelos agricultores. As pessoas começaram a questionar-se sobre a proveniência dos seus alimentos e começaram a comprar mais, localmente”, explica-nos Pam. “Aliás, 49% dos comerciantes disseram que tinham aumentado as vendas por causa do que estávamos a fazer. Há uma mudança de paradigma”, afirma.
“Todos somos voluntários, isto agora é a minha vida [risos]. As pessoas querem fazer o bem, mas não sabem por onde começar: comecem pela comida!” Pam não se farta de salientar que gostava de ver repercussões do movimento em Portugal. Para mais informações basta consultar o site. "'Quem quer começar o Incredible Edible Portugal?', podias acabar o artigo assim!”. Fazemos-lhe então a vontade.