Forrest Gump e o homem invisível
Quando Cecil Gaines começa a aprender a ser “preto de casa” no Sul americano dos anos 1920, a primeira lição pede-lhe que seja “invisível”, que a sala esteja tão vazia quando ele lá está como se ele não estivesse. A referência remete para o romance de Ralph Ellison Invisible Man (1952), que olha para a experiência do negro na sociedade americana da primeira metade do século XX como uma experiência de “invisibilidade”, de alguém cuja sobrevivência apenas é possível se não chamar aatenção. Mas é uma referência que funciona igualmente como descrição perfeita do filme de Lee Daniels (Precious, Um Rapaz do Sul), mera ilustração anónima, diríamos “invisível”, de uma ficção inspirada pela história verídica de um mordomo negro da Casa Branca. A partir de um artigo publicado no jornal Washington Post, Daniels e o argumentista Danny Strong tiraram uma espécie de “resumo pedagógico” da luta pela igualdade de direitos civis que vê o seu herói estar presente em todos os momentos-chave dessa luta ao longo de 80 anos, dos últimos estertores do esclavagismo no Sul à eleição de Obama. Fá-lo ora através do seu serviço a vários presidentes americanos, de Eisenhower a Reagan, ora através do envolvimento do seu filho nas caravanas da liberdade, nas marchas de Martin Luther King ou nas manifestações contra o Vietname.
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Quando Cecil Gaines começa a aprender a ser “preto de casa” no Sul americano dos anos 1920, a primeira lição pede-lhe que seja “invisível”, que a sala esteja tão vazia quando ele lá está como se ele não estivesse. A referência remete para o romance de Ralph Ellison Invisible Man (1952), que olha para a experiência do negro na sociedade americana da primeira metade do século XX como uma experiência de “invisibilidade”, de alguém cuja sobrevivência apenas é possível se não chamar aatenção. Mas é uma referência que funciona igualmente como descrição perfeita do filme de Lee Daniels (Precious, Um Rapaz do Sul), mera ilustração anónima, diríamos “invisível”, de uma ficção inspirada pela história verídica de um mordomo negro da Casa Branca. A partir de um artigo publicado no jornal Washington Post, Daniels e o argumentista Danny Strong tiraram uma espécie de “resumo pedagógico” da luta pela igualdade de direitos civis que vê o seu herói estar presente em todos os momentos-chave dessa luta ao longo de 80 anos, dos últimos estertores do esclavagismo no Sul à eleição de Obama. Fá-lo ora através do seu serviço a vários presidentes americanos, de Eisenhower a Reagan, ora através do envolvimento do seu filho nas caravanas da liberdade, nas marchas de Martin Luther King ou nas manifestações contra o Vietname.
O Mordomo torna-se assim numa espécie de Forrest Gump em versão negra, se Forrest Gump tivesse sido uma mini-série televisiva de prestígio da qual o filme fosse um compacto longo e sem ritmo, apostado em pressionar todos os botões do melodrama preguiçoso. A incapacidade de Daniels de emprestar qualquer densidade humana a esta viagem, apesar de ter reunido um elenco de primeira água e de ter em Forest Whitaker uma presença mais que digna no papel principal, é sintomática da abordagem “direitos civis contados às criancinhas como se fossem muito burras” do filme, em tom paternalista e condescendente. É tanto mais surpreendente que assim seja quanto nos seus filmes anteriores Daniels se assumia como tudo menos um cineasta anónimo ou unânime; dir-se-á que a seriedade do assunto pedia uma abordagem mais apaziguadora, mas não ao ponto de O Mordomo parecer um desfile histórico, rígido e maçador, saídinho dos velhos filmes de mensagem de Stanley Kramer. Não é desta que a luta pelos direitos civis consegue um filme à sua altura.