"House of Cards", a revolução televisiva começou
Baseada na obra de Michael Dobbs e na minissérie da BBC de Andrew Davies, "House of Cards" apresenta vários pontos de interesse
A apropriação de séries europeias pelas produtoras norte-americanas foi abordada num texto anterior, assim como a sua menor qualidade quando comparadas com a série original. Fui recentemente confrontado com uma saudável exceção à regra: "House of Cards".
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A apropriação de séries europeias pelas produtoras norte-americanas foi abordada num texto anterior, assim como a sua menor qualidade quando comparadas com a série original. Fui recentemente confrontado com uma saudável exceção à regra: "House of Cards".
Baseada na obra de Michael Dobbs e na minissérie da BBC de Andrew Davies, "House of Cards" apresenta vários pontos de interesse. Desde logo, a produtora, Netflix. Depois de anos a cimentar uma posição no mercado online, aventurou-se na produção de uma série que possibilitou liberdade total aos realizadores e argumentistas.
Outro ponto de interesse (e, simultaneamente, controverso) reside no formato de apresentação. Pela primeira vez, uma série foi disponibilizada na íntegra, eliminando a espera, por vezes desesperante, do capítulo seguinte. Os diversos realizadores envolvidos neste projeto de David Fincher (também produtor executivo), como Joel Schumacher ou James Foley, conferem uma diversidade de planos e abordagens narrativas que cativa o espetador mais atento (uma dica/exemplo: o plano da janela onde Spacey e Robin Wright partilham um cigarro). Interessante também é a prestação de Kevin Spacey como Francis Underwood, que nos remete para a excelência das performances em "American Beauty" ou "Seven".
Um ponto de interesse final é a temática. Os bastidores da Casa Branca e do Congresso americano são um dos tópicos mais reutilizáveis para produzir séries e filmes norte-americanos, ao contrário do Parlamento inglês (neste último, apenas "Yes Minister" ou "The Thick of It" despontam, e ambos pertencentes à comédia política). No entanto, este é também um tópico extremamente volátil. Talvez por isso a necessidade de uma vingança movida por despeito, recorrendo a diversas cortinas de fumo (relembrando, por vezes, o filme "Wag the Dog", de Levinson) e pura manipulação para alcançar uma ascensão maior do que a desejada inicialmente.
A sátira ao jogo político é cáustica e, apesar de alguns desfechos mais previsíveis, a ação consegue manter o espetador a torcer pelos negros intentos de Underwood, o herói pícaro que vive um casamento racional aliado a uma relação “profissional” com a jornalista Zoe Barnes (Kate Mara). Todos estes pontos acima referidos envolvem a segunda temporada numa aura que, num passado recente, apenas rivaliza com a segunda parte da quinta temporada de "Breaking Bad". "House of Cards" alcançou, além das nomeações para os Emmy e os TCA Awards, um estatuto que competirá com o de "The West Wing" num futuro muito próximo.
Esta crónica foi escrita segundo o novo acordo ortográfico