Morreu o guardador da experiência da gota de betume

No último meio século, John Mainstone tomou conta da experiência mais longa em curso em laboratório, que dura há 86 anos. E esperou, pacientemente, para ver alguma coisa acontecer.

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O físico ao lado da experiência, com a gota de betume em suspensão John Mainstone/Universidade de Queensland

O físico deparou-se em 1961 com a experiência, o funil de vidro tapado por uma campânula, assim que chegou à Universidade de Queensland, na Austrália. Nessa altura, já a experiência decorria há muito. Tudo tinha começado com Thomas Parnell, também físico, que queria ensinar aos seus alunos, e ao mesmo tempo diverti-los, as propriedades fantásticas do betume, uma mistura complexa de hidrocarbonetos, usada por exemplo para impermeabilizar navios e vedar juntas. Parecia sólido, podendo até partir-se com um martelo, mas era um material viscoso, portanto um fluido.

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O físico deparou-se em 1961 com a experiência, o funil de vidro tapado por uma campânula, assim que chegou à Universidade de Queensland, na Austrália. Nessa altura, já a experiência decorria há muito. Tudo tinha começado com Thomas Parnell, também físico, que queria ensinar aos seus alunos, e ao mesmo tempo diverti-los, as propriedades fantásticas do betume, uma mistura complexa de hidrocarbonetos, usada por exemplo para impermeabilizar navios e vedar juntas. Parecia sólido, podendo até partir-se com um martelo, mas era um material viscoso, portanto um fluido.

Parnell aqueceu betume e escorreu-o para o funil, com a parte de baixo tapada. Esperou três anos para tudo assentar, até abrir a parte de baixo e deixar actuar a gravidade. Foram-se fazendo registos: a primeira gota caiu em 1938, as outras em 1947, 1954, 1962, 1970, 1979, 1988 e a oitava em 2000. Parnell nunca viu uma a cair.

E Mainstone perdeu a última, porque nesse instante a câmara de vídeo, que transmitia a experiência na Internet,estava desligada. “Falhou na altura crucial”, escreveu o físico na revista Australian Physics, em 2005.

Ainda que reformado, continuou a guardar a experiência e a ir à universidade até à semana passada. Mas já tinha arranjado quem o substituísse quando cá não estivesse. “A dedicação de Mainstone a esta experiência muito para lá da sua reforma permitiu que media, cientistas e estudantes compreendessem a ciência por trás dela”, disse Halina Rubinsztein-Dunlop, da Universidade de Queensland: “A morte de John é triste porque, no seu tempo de guardião da experiência, não viu cair uma única gota.

Mas se esperou em vão pela experiência pela qual zelava, John Mainstone ainda chegou a ver uma gota de betume soltar-se, só que apanhada em vídeo noutra experiência, um pouco mais recente. O feito foi notícia em Julho, quando o Trinity College, em Dublin, na Irlanda, divulgou a sua experiência, em curso desde 1944, mas caída no esquecimento. Em Maio, com a última gota à beira da queda, o físico Shane Bergin e colegas do Trinity College começaram a transmiti-la na Internet. Na madrugada de 11 de Julho, uma gota desprendeu-se.

Embora não haja muita ciência para fazer (o interesse é mais histórico e de divulgação científica), espera-se saber mais sobre o processo de ruptura e a viscosidade do betume. “Fui apanhado de surpresa com notícias de que alguém no Trinity College tinha montado uma experiência da queda da gota de betume em 1944 e que, recentemente, professores de física descobriram o dispositivo num armário”, contava então John Mainstone ao PÚBLICO. “A [revista] Nature enviou-me o vídeo para que eu o comentasse.”

Dizia ainda por que nos maravilhavam estas experiências: “O betume continua a fazer o que tem de fazer a um ritmo muito lento, sem nunca se apressar, ao mesmo tempo que os relógios marcam a passagem inelutável dos segundos e lembram-nos das coisas que devíamos fazer.”

Em 2002, o dispositivo australiano entrou no Livro Guinness de Recordes Mundiais como a experiência laboratorial mais longa em curso e, em 2005, ganhou um IgNobel, prémios para a ciência mais divertida e inacreditável, “por fazer as pessoas rir primeiro e pensar depois”. John Mainstone foi receber o prémio e achou a cerimónia dos IgNobel “absolutamente magnífica”.