Autárquicas: interpretações à parte, restam as escolhas
A democracia é um sistema de escolhas e de liberdade. Isso implica responsabilidade. Assim, estas eleições vão ser, acima de tudo, um bom barómetro do estádio de maturidade dos portugueses
No final do próximo mês teremos eleições autárquicas. Desta vez, estas eleições estão a ser marcadas pela polémica à volta da lei de limitação de mandatos de 2005 que, por ser mal feita e pouco clara, está a dar azo a que os tribunais tenham interpretações diversas sobre o seu exacto conteúdo, com alguns a aceitarem candidaturas de autarcas com 3 mandatos cumpridos noutra câmara e outros a rejeitarem-nas. A decisão final caberá ao tribunal constitucional. Mas parece que não há grandes dúvidas: diversos constitucionalistas já vieram dizer que a lei deve ser interpretada de forma restritiva, isto é, só impedir a recandidatura de autarcas que já tenham cumprido três andatos na câmara a que se candidatam.
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No final do próximo mês teremos eleições autárquicas. Desta vez, estas eleições estão a ser marcadas pela polémica à volta da lei de limitação de mandatos de 2005 que, por ser mal feita e pouco clara, está a dar azo a que os tribunais tenham interpretações diversas sobre o seu exacto conteúdo, com alguns a aceitarem candidaturas de autarcas com 3 mandatos cumpridos noutra câmara e outros a rejeitarem-nas. A decisão final caberá ao tribunal constitucional. Mas parece que não há grandes dúvidas: diversos constitucionalistas já vieram dizer que a lei deve ser interpretada de forma restritiva, isto é, só impedir a recandidatura de autarcas que já tenham cumprido três andatos na câmara a que se candidatam.
A verdade é que a lei devia ser mais clara para que não fosse jogada nos tribunais a luta política e partidária.
Quem for a favor da limitação de mandatos deve defender uma lei clara e abrangente, não só nas câmaras como noutros órgãos políticos como o Governo ou a Assembleia da República. A lei como está, e com a interpretação restritiva que parece vir a vigorar, torna-se insignificante. Permite a um autarca “saltar” para o concelho vizinho e poder aí continuar mais doze anos, mantendo toda a sua estrutura de poder e redes de influência, agora centralizadas a partir do novo concelho. Se o objectivo é “refrescar” a democracia e arejar as teias do poder, então, temos mesmo de favorecer a entrada de novas pessoas na vida política.
Estas eleições não são sobre a limitação de mandatos (se pudesse haver um refendo sobre isso, eu defendia-o). Estas eleições são para eleger autarcas. E, pela primeira vez de uma forma muito expressiva, multiplicam-se os candidatos independentes (aqueles que nunca pertenceram a nenhum partido nem estiveram em cargos políticos em sua representação) e dissidentes (tipicamente aqueles que pertenciam a um partido mas que dele se desvincularam por não terem sido escolhidos para estas eleições). E temos também discursos diversos: desde os tradicionais caciquismos populistas e despesistas até àqueles que proclamam rigor orçamental e realismo. Os eleitores vão poder escolher!
É verdade que alguém que seja a favor da limitação efectiva dos mandatos pode expressar essa vontade não votando nos candidatos que trazem consigo três mandatos consecutivos noutro concelho. Mas não é só isso que está em questão. Mais importante é aferir até que ponto o discurso anti-partidário e anticorrupção/despesismo tem eco efectivo nestas eleições. Alguém que seja contra a corrupção e se queixe do estado em que a dívida pública deixou o nosso país não pode votar em candidatos que têm historial despesista (alguns até criminal) e que prometem betão como a verdadeira fonte do progresso. Alguém que se queixe dos partidos, e das suas lógicas de aparelho não meritocráticas, deve votar em independentes.
No Porto, por exemplo, a escolha é vasta: diferentes vinculações partidárias (dos candidatos tradicionais dos partidos até um independente e um ex-vinculado); distintas imagens veiculadas (expansionistas gastadores, prudencialistas financeiros, passando pelos ortodoxos das ideologias); diversos escalões etários. Enfim, os eleitores portuenses não vão poder dizer que não tinham por onde escolher. E esta história repete-se em muitos outros concelhos.
No dia 30 de Setembro, depois de apurados todos os votos, vai-se ficar a saber mais sobre Portugal e os portugueses. Em particular, vai-se perceber se, efectivamente, os portugueses estão a aprender que não se pode gastar mal, nem mais do que o que se tem, e se a cisma contra os partidos é real ou apenas verbal. Depois destas eleições, os eleitores que votarem nos despesistas e populistas não se vão poder queixar da corrupção camarária. Os que votarem nos candidatos partidários não devem reclamar dos partidos uma vez que desprezaram os independentes…
A democracia é um sistema de escolhas e de liberdade. Isso implica responsabilidade. Assim, estas eleições vão ser, acima de tudo, um bom barómetro do estádio de maturidade dos portugueses. O Casimiro Baltazar da Conceição já tinha, em 1979, atingido a maturidade. E Portugal?