Intern Magazine: os estagiários não vão continuar calados
O britânico Alec Dudson, um ex-estagiário de 29 anos, criou uma revista para debater a questão dos estágios não remunerados. O primeiro número é lançado em Outubro
O ex-estagiário britânico Alec Dudson acha que está na hora de quebrar o tabu sobre os estágios. Este modelo de trabalho não remunerado tornou-se, para o bem e para o mal, uma parte importante da nossa cultura laboral. Então é preciso trocar umas ideias sobre o assunto — e para isso nasceu a Intern Magazine, uma revista dedicada à vida e ao trabalho dos estagiários. O projecto já foi financiado através do Kickstarter e o primeiro número vai ser lançado em Outubro.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O ex-estagiário britânico Alec Dudson acha que está na hora de quebrar o tabu sobre os estágios. Este modelo de trabalho não remunerado tornou-se, para o bem e para o mal, uma parte importante da nossa cultura laboral. Então é preciso trocar umas ideias sobre o assunto — e para isso nasceu a Intern Magazine, uma revista dedicada à vida e ao trabalho dos estagiários. O projecto já foi financiado através do Kickstarter e o primeiro número vai ser lançado em Outubro.
"Este é um debate há muito adiado", diz Alec Dudson ao P3, numa entrevista via Skype a partir de Manchester, Reino Unido. Após trabalhar quase um ano como estagiário em Milão, Londres e Atenas, dependendo muitas vezes da solidariedade dos amigos, o fotógrafo de 29 anos decidiu criar o seu próprio projecto e lançar uma revista independente. A escolha do tema? "Percebi que estagiar é uma experiência que atravessa uma geração inteira mas que não havia uma publicação dedicada ao assunto."
Intern é uma revista bianual e impressa. Tem dois objectivos principais: promover o debate sobre a cultura dos estágios (sem nunca tomar partido) e dar visibilidade ao trabalho de estagiários talentosos de várias partes do mundo. O número zero, impresso em papel de jornal — e já esgotado —, ilustra bem a combinação dessas duas vertentes. Um exemplo: um ensaio de moda de um fotógrafo recém-licenciado partilhava as mesmas páginas que um depoimento sobre a dificuldade de entrar no mercado de produção televisiva.
"Reapropriação" do mundo dos estágios
Alec Dudson tem uma visão crítica de um sistema de produção demasiado dependente do trabalho gratuito de jovens. "Mas a minha opinião não é a opinião da revista", avisa. A Intern promete abraçar as mais diversas perspectivas e experiências — do rapaz que conseguiu um emprego de sonho após um estágio à rapariga que, apesar de ter aprendido muito, sentiu que estava apenas a tapar os buracos deixados por uma recente vaga de demissões.
Dudson não é contra os estágios em si — ele descreve os estágios que fez como "uma experiência muito rica" —, mas sim contra a forma como "o mundo dos estágios" foi "reapropriado" pelas empresas num contexto de crise económica e globalização. A forma como estágios eram percepcionados e postos em prática mudou. Mas essa transformação não foi acompanhada por um debate alargado sobre o que pode e deve ser o papel de um estagiário.
O "perigo real" dessa reapropriação é, a médio prazo, homogeneizar os quadros que gerem a indústria criativa. "Se só os jovens que vêm de famílias com dinheiro puderem se dar ao luxo de trabalhar meses de graça, dentro de algum tempo as equipas criativas vão ser compostas por pessoas vindas da mesma classe social", alerta o fundador da Intern. E isto é, argumenta, "um tiro no pé", porque os produtos culturais criados e pensados por uma equipa diversificada têm mais chance de serem bem sucedidos. "Uma revista feita só por gente rica não vai estar perto da realidade dos consumidores", diz.
Mas por que é que os estagiários andam tão calados? "Os estágios são vistos como uma porta de entrada para as grandes empresas. É natural que num contexto de crise, como o que Portugal está a viver, um estagiário não queira levantar ondas", explica Dudson. Sim, o rapaz está a par do que andamos a viver por aqui. Da foma como "empregadores sem vergonha" oferecem vagas mascaradas de estágio, pedindo recursos qualificados a troco de salário zero. Quando Dudson trabalhou na revista de arquitectura Domus, em 2012, em Milão, ele teve uma editora portuguesa que lhe contava as agruras dos jovens portugueses. Vera Sachetti — assim se chama a editora — tornou-se uma amiga e foi, em parte, a inspiração para a Intern Magazine.
Um problema global?
A receptividade ao projecto foi "incrível". O valor angariado na plataforma Kickstarter foi muito além da meta estabelecida. O objectivo era reunir 5500 libras (cerca de 6450 euros) para lançar o número um — uma edição de 144 páginas impressas em papel de qualidade —, mas o montante arrecadado foi de 7115 libras (8344 euros). Parte desse apoio veio dos Estados Unidos.
"Acho que subestimei a extensão do problema do trabalho não remunerado na América", confessa Dudson. É um facto: o debate sobre o uso indiscriminado de estagiários como mão-de-obra barata está aceso. Esta realidade já é retratada em séries televisivas: "Girls", da HBO, mostra uma geração a saltar de estágio em estágio sem nunca conseguir um emprego estável. A questão dos estágios é quase global e Dudson está entusiamado com a "perspectiva internacional" que a Intern poderá oferecer sobre o problema.
Desde que o projecto foi tornado público, chegam à caixa de correio da Intern propostas de colaboração vindas de várias partes do mundo — incluindo Portugal. (E, sim, todos os trabalhos publicados serão devidamente remunerados.) Alec diz ter recebido mensagens de designers, fotógrafos e artistas nacionais. O conteúdo editorial do primeiro número já está definido e não conta com colaboradores portugueses, mas Alec Dudson espera ter espaço para o talento nacional na próxima edição.