Se eu ganhasse o Euromilhões…
A triste verdade é esta: se o Euromilhões nos aparecesse à frente, não saberíamos o que fazer com ele
É das frases que mais ouvimos nas papelarias e cafés de bairro. O condicional da frase denuncia a baixa expectativa de receber avultado prémio. Quem diz o que faria “se ganhasse o Euromilhões…”, está já a descartar-se do merecimento de tal sorte. Ao mesmo tempo, o pensamento não é hipotético, porque a hipótese mal se coloca. O pensamento é sonhador e nem arranha os calcanhares da improvável realidade.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
É das frases que mais ouvimos nas papelarias e cafés de bairro. O condicional da frase denuncia a baixa expectativa de receber avultado prémio. Quem diz o que faria “se ganhasse o Euromilhões…”, está já a descartar-se do merecimento de tal sorte. Ao mesmo tempo, o pensamento não é hipotético, porque a hipótese mal se coloca. O pensamento é sonhador e nem arranha os calcanhares da improvável realidade.
Dizer o que se faria com não-sei-quantos-ziliões-de-euros é cliché. Mudou-se só a palavrinha Totoloto pelos recentes Euromilhões. Deixou-se de não se saber o que fazer com 70 mil barras de ouro para se passar a não se saber o que se haveria de fazer com 300 mil camiões de notas. Ainda assim, as possibilidades são muitas – mas sempre as mesmas: viajar, sair daqui, dar metade à minha nora que é tão boazinha, gastar tudo com os filhos, comprar uma casinha grande ali para os lados de Almoçageme e tudo e tudo e tudo.
A triste verdade é esta: se o Euromilhões nos aparecesse à frente, não saberíamos o que fazer com ele. O choque seria grande, isso é certo. A fruição intensa e consumista pode levar à desgraça. Quando se fica sem dinheiro, e vemo-lo amiúde em casos que se vão conhecendo de quem muito teve e ainda mais estafou, recupera-se a consciência e o discernimento racional, sempre acompanhado do lamento “tinha tanto e agora não tenho nada”.
Não sou apologista de grandes fortunas. O dinheiro liberta mas transforma. Descola-nos da realidade, aponta suspeições a quem se aproxima, cria paranoias, mata a criatividade de um bolso com meia dúzia de euros e distorce verdades. Os cifrões devem ser uma espécie de TNT de personalidades. A conta bancária enche-se de zeros e salta-nos logo um parafuso. Ou vinte.
Uma vida desafogada deve ser o melhor que se pode ter. Em que não seja preciso contar trocos nem se torne obsessivo alargar os milhões. Em que a principal motivação seja a partilha e a criação de memórias boas para um futuro descansadinho. Viver bem não é viver com muito. É estar com o suficiente para usufruir e dar alegria a quem nos alegra.
Chamem-me demasiado optimista, mas eu cá acredito que ganhamos o Euromilhões todos os dias. Quando nos pomos de pé de manhã, quando jantamos com a família, quando temos um passeio desocupado por onde caminhar, quando bebemos um copo com amigos na paz de Sintra, quando se partilha um olhar simples e terno com a cara-metade, quando as preocupações são apenas e só atrapalhações de curto-prazo. Essa é a vida boa, a de todos os dias. Desambicionem-se as fortunas, que afortunados já nós somos. Quando queremos, quando deixamos.