Manifestantes prometem voltar enquanto a estátua do cónego Melo permanecer em Braga
Protesto reuniu cerca de uma centena de pessoas, entre as quais os candidatos da CDU e do BE à presidência da Câmara do Porto.
“Estas concentrações vão continuar”, prometia, de voz colada ao megafone, um dos manifestantes, enquanto anunciava o fim do protesto. O “apeamento” da estátua do cónego Melo foi a exigência mais difundida ao final da tarde, quer por palavras de ordem quer através da faixa colocada na relva da Rotunda do Monte D’ Arcos, na qual se lia “Democracia sim. Abaixo a estátua”.
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“Estas concentrações vão continuar”, prometia, de voz colada ao megafone, um dos manifestantes, enquanto anunciava o fim do protesto. O “apeamento” da estátua do cónego Melo foi a exigência mais difundida ao final da tarde, quer por palavras de ordem quer através da faixa colocada na relva da Rotunda do Monte D’ Arcos, na qual se lia “Democracia sim. Abaixo a estátua”.
“Ela pode não vir já abaixo, mas, quando passarem por aqui, as pessoas vão ter uma atitude de raiva”, antecipa António Lopes, figura histórica do PCP na cidade. O militante comunista lembrava com mágoa que a estátua foi colocada no espaço público no sábado, quando passavam 38 anos sobre o ataque ao centro de trabalho do partido em Braga, uma acção que foi atribuída a movimentos próximos do cónego Melo.
No mesmo sentido, os bracarenses foram desafiados a “cuspir em sinal de protesto” sempre que se cruzarem com o monumento pelo sociólogo da Universidade do Minho Manuel Carlos Silva. “Protestem, mesmo que seja com compreensível palavrão à boa maneira minhota”, defendeu. A colocação da estátua “ofende Braga e o país democrático”, sublinhou ainda o professor catedrático.
Os cerca de cem manifestantes ouviram os discursos de alguns dos promotores do protesto, entre os quais os líderes das bancadas parlamentares locais do BE e PCP, Paula Nogueira e Carlos Almeia. A contestação à homenagem a Eduardo Melo juntou outras figuras dos dois partidos, incluindo os candidatos à presidência da Câmara do Porto, Pedro Carvalho e José Soeiro, bem como diversos independentes.
A estátua do cónego Eduardo Melo foi colocada no centro da rotunda junto ao cemitério municipal, dois dias depois de os promotores da homenagem terem anunciado o adiamento da sua inauguração. A obra foi autorizada em Maio pela Câmara de Braga, numa votação que mereceu os votos favoráveis dos vereadores da maioria do PS e a abstenção dos eleitos do PSD e do CDS.
No pedestal da estátua de Eduardo Melo foi colocado uma irónica biografia do cónego, lembrando-o como “admirador confesso do Estado Novo e do ditador Oliveira Salazar” e sublinhando a sua alegada ligação a movimentos de extrema-direita, responsáveis por ataques bombistas a sedes do PCP e de organizações sindicais no pós-25 de Abril. O "Verão quente" foi, aliás, o período em que o vigário-geral da diocese de Braga afirmou o seu poder, depois de ter ascendido ao cargo no início da década de 1970.
Envolveu-se nas lutas políticas, sendo uma das figuras de proa do combate à influência que o PCP tentava conquistar na região Norte. Terá estado ligado ao Exército de Libertação Nacional (ELP) e ao Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), associado ao general António de Spínola, chegando mesmo a ser indicado pela morte do padre Max, um sacerdote de Vila Real conotado com movimentos de extrema-esquerda que foi assassinado em 1976, não tendo chegado a ser pronunciado. Eduardo Melo faleceu em 2008, aos 80 anos.
“Exemplo de vida”
O protesto contra a instalação da estátua do cónego Melo em Braga foi recebido “com toda a naturalidade” pelo grupo de cidadãos que promoveu a homenagem ao antigo vigário-geral da arquidiocese. “A democracia é mesmo assim”, considera Filipe Barroso, que tem sido o porta-voz do movimento. “Quem promove protestos destes é que talvez não possa dizer o mesmo”, atira.
A contestação à iniciativa já era esperada, comenta ainda Filipe Barroso, argumentando que “não se pode agradar a gregos e troianos”. “Já Jesus Cristo teve no seu meio antagonistas”, ilustra. O porta-voz do movimento que homenageou o cónego lembra-o como uma “excelente referência para a sociedade” e um “exemplo de vida”. Eduardo Melo “tinha sempre filas à porta a pedir-lhe alguma coisa, inclusive para comer. E nunca pediu nada para ele, andou sempre a pedir para os outros”, sublinha.
Terá sido este exemplo de “dádiva permanente” que motivou o “carinho” pela memória do cónego e levou “mais de 2500 pessoas” a contribuírem para custear a construção da estátua, defendem os promotores. O monumento foi inteiramente pago com contribuições. Filipe Barroso valoriza o facto de ter havido pessoas “com muitas dificuldades que fizeram um esforço para ficarem ligadas a esta homenagem”. “Umas pessoas deram três euros, outras cinco, outras bastante mais”, conta.
O pedido de autorização para a instalação da estátua apresentado à Câmara de Braga foi subscrito por empresários locais e algumas figuras reconhecidas na cidade, como o director-geral da Associação Comercial de Braga, Abílio Vilaça, mas também “por muitos anónimos e pessoas humildes”.
Filipe Barroso recusa a ideia de que o anúncio do adiamento da inauguração do monumento, dois dias antes de a estátua ter sido efectivamente colocada no local, tenha servido de manobra de diversão. O adiamento mantém-se, explica. “Agora, não era a altura oportuna, porque há muitas pessoas que estão de férias”. A inauguração será feita “com toda a dignidade”, depois das férias e das autárquicas de 29 de Setembro, promete.