Os mapas da fantasia
Não deixa de ser curioso como os mapas fantásticos são também tão frequentes à nossa volta. Seja na literatura de fantasia, que as más línguas dizem distinguir-se de outros géneros por ter sempre um mapa inventado no início do livro, seja em videojogos
Dizem os dicionários que os mapas são representações gráficas da superfície da Terra, embora haja mapas que não são representações gráficas e mapas que não retratam a superfície da Terra. Mas há algo na sua estrutura que os torna inevitavelmente instrumentos da razão para organizar o espaço em que nos movemos. Não foi à toa que quem primeiro os inventou foi um filósofo, Anaximandro de Mileto, e o poeta romano Horácio defendia que podia haver tanta verdade numa paisagem esboçada como nos poemas que ele próprio escrevia. Mas, na verdade, a fantasia e o desconhecido nunca estiveram longe dos mapas.
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Dizem os dicionários que os mapas são representações gráficas da superfície da Terra, embora haja mapas que não são representações gráficas e mapas que não retratam a superfície da Terra. Mas há algo na sua estrutura que os torna inevitavelmente instrumentos da razão para organizar o espaço em que nos movemos. Não foi à toa que quem primeiro os inventou foi um filósofo, Anaximandro de Mileto, e o poeta romano Horácio defendia que podia haver tanta verdade numa paisagem esboçada como nos poemas que ele próprio escrevia. Mas, na verdade, a fantasia e o desconhecido nunca estiveram longe dos mapas.
Quando traduziu a Bíblia para alemão, por exemplo, um dos maiores desejos de Martinho Lutero era o de incluir um mapa no seu livro, onde arrumasse a teologia que decifrava no Antigo e Novo Testamentos. E são conhecidos os mapas dos Descobrimentos, onde se inventavam terras desconhecidas e mitológicas, povoadas de monstros, seres fantásticos e deuses. Esses mapas eram os herdeiros da cultura da Idade Média, provavelmente a única época da humanidade onde a imagem era tão omnipresente como nos nossos dias, e em que a imagem não servia para retratar o visível, mas para retratar o invisível: as vidas de Cristo e dos santos, e as paisagens fantásticas do paraíso, do inferno e do purgatório.
Foi nessa cultura em que beberam os grandes cartógrafos do Renascimento, como os Limbourgs e os Van Eycks, e os inspiraram a desenhar os seus mapas semirreais e semifantásticos.
E não deixa de ser curioso como os mapas fantásticos são também tão frequentes à nossa volta. Seja na literatura de fantasia, que as más línguas dizem distinguir-se de outros géneros por ter sempre um mapa inventado no início do livro, seja em videojogos como os "roleplaying games" e os "massively multiplayer online games" como o "World of Warcraft", seja até em séries de televisão, como no génerico da série "The Game of Thrones", que é a simples, e hipnótica, representação do mapa vivo de um território inexistente.
E o prazer destes mapas é duplo e ambíguo: por um lado o prazer de ver representado em imagens aquilo que sabemos, ou acreditamos, que nunca poderá ser real, por outro a vontade de racionalizar e tornar científica a fantasia e a imaginação, tornando-a assim, também, mais compreensível, mais segura, menos fantasia.