Identificada a estrutura do cérebro que comanda as acções intencionais
Cientista português ajudou a identificar área do cérebro que controla a passagem de uma acção automática para uma acção intencional. Descoberta pode vir a ajudar pessoas com vícios e compulsões.
Os resultados relativos a esta descoberta, publicados nesta terça-feira na revista Nature Communications, podem oferecer uma nova estratégia para o tratamento de comportamentos obsessivo-compulsivos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Os resultados relativos a esta descoberta, publicados nesta terça-feira na revista Nature Communications, podem oferecer uma nova estratégia para o tratamento de comportamentos obsessivo-compulsivos.
“Fala-se dos hábitos [acções automáticas] e das acções intencionais, mas não se estuda muito como é que se passa de uma acção para a outra”, diz Rui Costa, que agora é chefe do grupo de Neurologia da Acção do Centro para o Desconhecido da Fundação Champalimaud, em Lisboa. Mas este estudo começou antes de Rui Costa vir para Portugal em 2009, e conta com Christina Gremel, investigadora do Instituto Nacional para o Abuso do Álcool e do Alcoolismo, um dos muitos institutos nacionais de saúde dos Estados Unidos.
Já se conheciam as três áreas do cérebro que estavam envolvidas na passagem de uma acção automática para uma acção intencional: o córtex órbito-frontal, que fica numa região mais externa do cérebro perto da testa, e dois gânglios de base que ficam numa região mais interior do cérebro, chamados “estriado lateral” e “estriado medial”.
No passado, o estriado lateral foi associado a acções automáticas, enquanto o estriado medial foi ligado a acções intencionais. O córtex órbito-frontal fica a montante e projecta neurónios nos dois estriados. Mas desconhecia-se se a passagem de uma acção automática para uma intencional implicaria a substituição da actividade neuronal no estriado lateral pela actividade no estriado medial ou se, ao invés, estaríamos perante um jogo com actividade entre os dois gânglios.
“Pusemos eléctrodos muito finos dentro do cérebro de ratinhos para poder ler a actividade destas três zonas”, diz Rui Costa, explicando a experiência que realizou. Depois, a equipa colocou os ratinhos em duas casinhas, cada uma com uma alavanca que, pressionada, dava direito a água com açúcar. Mas as alavancas funcionavam de modo diferente: numa das casas, havia uma espécie de slot machine, que dava a recompensa à sorte. Na outra, quanto mais o ratinho carregava na alavanca, mais água com açúcar recebia.
Isto permitiu à equipa testar a mudança de um comportamento repetitivo nos ratinhos que estavam na casa com a slot machine e que ficavam a carregar na alavanca — como as pessoas que jogam nas slot machines dos casinos —, para um comportamento intencional na outra casa.
“A actividade no córtex órbito-frontal correlacionava-se muito com a mudança do hábito para um comportamento intencional”, diz Rui Costa, referindo-se às medições feitas nas três regiões do cérebro dos ratinhos.
Mais: quando silenciaram a actividade no córtex órbito-frontal, os animais mantiveram-se sempre com comportamentos automáticos. Já quando a estimularam, todos os animais transitaram de uma acção automática para uma intencional.
A equipa também verificou que esta mudança não significou o silenciamento da actividade neuronal do estriado lateral e a activação do estriado medial. Apesar de a actividade passar a ser maior no estriado medial, os dois gânglios mantiveram-se activos numa única rede.
A descoberta da importância do córtex órbito-frontal nestas acções pode vir a ser importante no controlo de vícios ou problemas obsessivo-compulsivos. “Esta área é a que mais aparece afectada na compulsão, em que a pessoa perdeu o controlo: lava as mãos frequentemente e, apesar de ter acabado de lavar as mãos, não consegue controlar o gesto”, exemplifica Rui Costa.
“A nossa esperança é fazer com que estas pessoas voltem a controlar as suas acções através de uma experiência não invasiva.” Para isso, o cientista pretende colocar eléctrodos na cabeça de doentes, na zona do córtex órbito-frontal, para activar os neurónios nesta região utlizando uma estimulação electromagnética. Poderá assim testar se estas pessoas voltam a ter controlo das suas acções.