“Até ver a luz”: o sonho cru da realidade
Neste “Até ver a Luz”, o que mais cativa o espetador é a forma crua como a história avança, numa pertinaz metáfora com o jacaré/crocodilo/dragão
Os últimos anos têm sido “tempus horribilis” para a produção cinematográfica portuguesa. No entanto, as produtoras reinventaram, buscaram parcerias e continuaram a lançar bom cinema português. “Até ver a luz”, que estreia a 22 de Agosto, é (mais) um ótimo exemplo.
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Os últimos anos têm sido “tempus horribilis” para a produção cinematográfica portuguesa. No entanto, as produtoras reinventaram, buscaram parcerias e continuaram a lançar bom cinema português. “Até ver a luz”, que estreia a 22 de Agosto, é (mais) um ótimo exemplo.
Uma estreia no formato longo de um realizador que é um dos porta-estandartes do cinema português na Europa, ao lado de Gomes, Salaviza, e tantos outros cujos filmes foram e são regularmente selecionados para os mais conceituados festivais de cinema europeu. O filme de Basil não é exceção: estreou em Cannes e teve a antestreia nacional em Vila do Conde.
Neste “Até ver a Luz”, o que mais cativa o espetador é a forma crua como a história avança, numa pertinaz metáfora com o jacaré/crocodilo/dragão. A visão do que “acontece à noite”, aliada ao esoterismo e ao onírico, é já um traço distintivo da filmografia deste jovem realizador luso-suíço. Toda a história de Sombra está impregnada de elementos esotéricos e religiosos e, por exemplo, o encontro desta personagem com um membro do gangue assassinado carrega o peso da quase-realidade de alguns sonhos. Desenvolver este tópico tornar-me-ia um “spoiler”, afirmarei apenas que o sonho irrompe pela realidade numa reminiscência de Buñuel.
Outro ponto forte deste filme reside na veracidade dos diálogos. Simples e crus, mas carregados de conotação e polissemia. A utilização lógica do crioulo, as condições de vida, os momentos festivos, enquadram-se perfeitamente no decalque de uma sociedade que remete para um canto todos aqueles que a podem prejudicar. E Basil filma como poderia ser esse “canto”.
Apoiado num elenco amador, o realizador ganhou (novamente) a aposta. Os atores completam esta noção de veracidade. A agressividade discursiva é tangível, a tensão que acompanha Sombra durante todo o filme é conseguida através desta “naturalidade” dos atores, aliada aos planos noturnos do bairro, filmados com mestria e uma maturidade quase surpreendente.
Este é, em suma, um filme que retrata um mundo inserido no micro universo português, um mundo propenso a ataques oníricos cirúrgicos e que apresenta o que poderia ser a partir daquilo que é.