Morreu o artista que iluminou o deserto: Walter De Maria
Tinha desejo de espaço, de viagem, levou a produção artística a uma escala inédita na sua relação com a natureza.
Durante 50 anos, o seu trajecto espelhou as aspirações, a energia e o inconformismo que ficou associado aos finais da década 1960 e aos primeiros anos da década seguinte. Começou por estudar História e Arte em São Francisco, inclinando-se para a pintura, mas o contacto com as obras do músico La Monte Young e da coreógrafa Simone Forti desviaram-no na direcção da escultura. Nesse período, desenvolve trabalhos que integram linguagem, instruções, texto, e que apontam para afinidades com o conceptualismo, mas expõe pouco. Em 1960 aterra em Nova Iorque e começa a usar pequenas formas geométricas e materiais como alumínio e aço, expondo em apartamentos e galerias, participando em happenings, fazendo filmes. Imerso na cena downtown da cidade, reaviva, por um curto e intenso período, o seu interesse pela música. Integra como baterista os The Primitives, a banda que seria a antecâmara dos Velvet Underground, ensaia com Don Cherry, e grava em 1964 e 1968, respectivamente, Cricket Music e Ocean Music, discos que misturam sons naturais e provindos de instrumentos; e que, depois de uma reedição limitada em 2002, continuam indisponíveis.
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Durante 50 anos, o seu trajecto espelhou as aspirações, a energia e o inconformismo que ficou associado aos finais da década 1960 e aos primeiros anos da década seguinte. Começou por estudar História e Arte em São Francisco, inclinando-se para a pintura, mas o contacto com as obras do músico La Monte Young e da coreógrafa Simone Forti desviaram-no na direcção da escultura. Nesse período, desenvolve trabalhos que integram linguagem, instruções, texto, e que apontam para afinidades com o conceptualismo, mas expõe pouco. Em 1960 aterra em Nova Iorque e começa a usar pequenas formas geométricas e materiais como alumínio e aço, expondo em apartamentos e galerias, participando em happenings, fazendo filmes. Imerso na cena downtown da cidade, reaviva, por um curto e intenso período, o seu interesse pela música. Integra como baterista os The Primitives, a banda que seria a antecâmara dos Velvet Underground, ensaia com Don Cherry, e grava em 1964 e 1968, respectivamente, Cricket Music e Ocean Music, discos que misturam sons naturais e provindos de instrumentos; e que, depois de uma reedição limitada em 2002, continuam indisponíveis.
Desejo de espaço
Também em Nova Iorque reencontra Robert Whitman, com quem gere uma galeria, e testemunha os primeiros desenvolvimento do minimalismo. Entretanto já domina o trabalho com o aço e o alumínio e imagina-se a trabalhar numa escala que as condições de Nova Iorque não permitem. Inspirado por desenhos que vem realizando, pelas memórias visuais da Costa Oeste, pela beat-generation, tem desejo de espaço, de viagem. Vive em Nova Iorque, mas pensa no Pólo Sul, no deserto do Sara, nas montanhas do Canadá. Não quer que o trabalho seja julgado pelo contexto social e espacial que a galeria impõe. Tem o apoio da Dwan Galerry, viaja ao deserto de Nevada, ao Sul do EUA, a Munique, onde apresenta uma instalação de terra que 1977 será rebaptizada de New York Earth Room. Mas a primeira obra que os críticos classificam de earthwork é Mile Long Drawing, de 1968, um “desenho” de longas e paralelas linhas de giz sobre o Deserto do Mojave.
Em 1977 apresenta uma das suas mais famosas peças, The Lightning Field: 400 hastes metálicas dispostas numa área de um quilómetro no deserto do Novo México. Compõem um retângulo, uma escultura geométrica, cuja experiência surge determinada pelos efeitos das condições atmosféricas sobre a luz e as cores da paisagem. Pode ser apreciada de madrugada, ao nascer do sol ou sob uma tempestade (as hastes atraem a eletricidade dos relâmpagos). Para um trabalho que só acontece com a presença física do espectador no lugar, torna-se uma das obras mais icónicas de Walter De Maria, acabando reproduzida em várias revistas e citada no romance Blinded by the Light by Morgan Hunt.
Embora preferindo expor em espaços amplos e exteriores, não deixou de marcar presença em galerias e certames internacionais. De um conjunto notável, destacam-se Primary Structures, no Jewish Museum, em 1966, momento marcante do minimalismo e, três anos depois, When Attitude Becomes Form, na Kunsthalle de Berna, colectiva que assinalava o advento do pós-minimalismo. Refiram-se igualmente as participações nas Documentas de Kassel de 1968 e 1977 e uma retrospectiva no Kunstmuseum de Basileia em 1972. Nos anos 1970, contava já com apoio da Dia Foundation e do coleccionador Heiner Friedrich que se tornaria fundamental para a realização de obras ainda disponíveis à experiência dos espectadores: a já citada The Lightning Field, mas também The Vertical Earth Kilometer, em Kassel (1977), ou The Broken Kilometer, em Nova Iorque (1979), que estaria na origem de The 2000 Sculpture (1992).
Artista que nas últimas décadas se foi tornado invisível (no mundo da arte), deixou-nos obras a que não faltam sentido de humor, conceitos, aventura, espaço. Mas para muitos dos seus pares mais jovens, e até para curadores de renome, tornou-se personalidade relativamente obscura. Há dois anos, Richard Aldrich, da Dia Foundation, lamentava a ausência de monografias sobre o artista e reivindicava a descoberta de trabalhos que lançavam uma nova luz sobre a sua produção. Pode ser que nos próximos anos essa investigação ganhe um novo fôlego, agora que Walter De Maria desapareceu.