Encontrei o Paraíso

O estupor da Holanda tem mesmo bom ar. É o raio do Paraíso. Se me garantirem que o Éden é assim, então já não tenho medo de ir desta para melhor

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Gerard Stolk/Flickr

Viajar é ler um livro em contra-relógio. Com um “deadline” definido, vê-se muito e tenta-se aprender ao máximo, tanto com as coisas que se escarrapacham diante dos nossos olhos quanto com aqueles pormenores que só não nos escapam por uma sorte daquelas. Há poucos dias abri um desses livros.

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Viajar é ler um livro em contra-relógio. Com um “deadline” definido, vê-se muito e tenta-se aprender ao máximo, tanto com as coisas que se escarrapacham diante dos nossos olhos quanto com aqueles pormenores que só não nos escapam por uma sorte daquelas. Há poucos dias abri um desses livros.

Este texto foi escrito em Rijnsburg, uma pacata cidadezinha a 40 quilómetros de Amesterdão, na Holanda. Vim cá parar no fim-de-semana passado por vicissitudes da vida e apaixonei-me à primeira vista. Aqui vê-se tudo o que cada um de nós quer, desde este preci(o)so até ao último suspiro que daremos nesta vida. Estabilidade, tranquilidade e qualidade de vida inigualável. Aqui pesca-se à beira-rio num final de tarde, brinca-se com os miúdos na relva enquanto eles jogam à bola, vê-se o pôr-do-sol às dez da noite num banco de jardim, passeia-se tranquilamente no meio dos incontáveis espaços verdes. Aqui nem sequer há edifícios pouco bonitos – a arquitectura, além de esplendorosa, é coerente, tudo encaixa e parece estar no sítio certo e exacto. Aqui os (pouquíssimos) carros antigos não estão amolgados e nem sequer são velhos. São clássicos. Dos bons.

Os holandeses parecem viver encostados à sombra da organização que lhes está incutida na massa do sangue e no espírito. Conhecerem bem o (maravilhoso) funcionamento da sua nação dá-lhes confiança no futuro e torna-os destemidos perante a vida. Não há incerteza nenhuma. Talvez por isso sejam tão sorridentes para com um estranho que nem sabem que é português e lhe atirem um “hi!” ou um “how are you?”, só naquela de meter conversa. Deste lado, responde-se com uma pontinha de desconfiança – maldita portugalidade!

O trânsito por estes lados é representativo do estado de espírito desta gente. Os limites de velocidade têm horas estipuladas. A malta não pode ultrapassar os cem quilómetros por hora nas vias rápidas, mas só entre as 10 e as 19 horas. Em Portugal, quando se vê um amarelo (ou mesmo um encarnado acabadinho de ficar pintalgado na zona outrora escura) de um semáforo, mete-se prego a fundo. Aqui, trava-se tranquilamente e o carro já está parado quando a luz ainda nem saltou para o vermelho. O respeito e confiança mútuos são de tal ordem que nem se é obrigado a usar capacete aos comandos de um motociclo de baixa cilindrada.

A língua é que é tramada de entender. Safam-se aquelas poucas palavras que guardam semelhanças com o inglês mas, para além dessas, nada se percebe. Nadinha. Ouvir os holandeses também não ajuda, só atabalhoa mais qualquer possível entendimento de tamanha amálgama de sons nascidos exclusivamente nas profundezas de todas estas gargantas. De qualquer forma, valerá a pena o esforço da aprendizagem por uma vida perfeita.

O estupor da Holanda tem mesmo bom ar. É o raio do Paraíso. Se me garantirem que o Éden de que ouvimos falar na cultura erudita e popular é assim, então já não tenho medo de ir desta para melhor. Até lá, continuo a viver no Portugal de que já tenho tantas saudades.