O mundo encantado da avozice
Esta mudança de geração, da segunda para a terceira, é um momento mágico que nada parece perturbar.
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Esta mudança de geração, da segunda para a terceira, é um momento mágico que nada parece perturbar.
Como já tenho referido, creio mesmo que nas comunidades actuais deveria ser legislado o direito aos avós. Num tempo em que milhares de miúdos estão sós e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, de solidão, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, deveria sentir-se obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, a inscrevê-la nos direitos fundamentais.
Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários. Aliás, recordo um estudo de 2012 do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas mostrando o impacto significativo na economia familiar do envolvimento dos avós no cuidar dos miúdos, embora, como é evidente e reconhecido, muitos dos benefícios não sejam sequer tangíveis, não se podem quantificar, quase sempre só se podem sentir e gozar como muitos de nós, felizmente, poderemos testemunhar.
Na verdade, um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo.
Acrescentaria ainda que também os netos são bens de primeira necessidade para os mais velhos.
Recorrendo a termos em moda, a entrada na avozice parece uma espécie de refundação da nossa narrativa, abrindo uma outra janela para um mundo mágico.
Ainda em fase de encantamento com estes momentos deixem-me partilhar uma história que há tempos coloquei no blogue, Atenta Inquietude, a que chamei "O Brinquedo Preferido".
De há uns tempos para cá apareceu uma moda naquela terra que “impede” as pessoas de falar em brincar, em brincadeiras, nas escolas da terra. Alguns acham mesmo que não deveria ser permitido brincar nas escolas. A moda foi fabricada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes que não sabem de pessoas.
No entanto, felizmente, ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns.
Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido.
A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a playstation nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha trazido do estrangeiro. A Irina trazia o Noddy. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O Francisco, sempre pronto para as lutas, trazia uns bonecos lutadores de wrestling. A Joana não ligava a ninguém com o seu mp3 cheio das músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido. O último a chegar foi o Manel.
Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.
José Morgado é professor universitário no ISPA - Instituto Universitário