Celebração com Depeche Mode e introspecção com Rhye

Celebração colectiva com Depeche Mode, intimismo com Rhye, surpresa com o hip-hop dos Jurassic 5. Foi a noite de sábado no OptimusAlive, que termina este domingo com Kings Of Leon, Phoenix e Tame Impala.

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A larga maioria estava presente para ver os Depeche Mode que, mais de 30 anos e muitas crises existenciais depois, continuam bastante activos. São até um caso singular na cultura pop, um daqueles projectos que mantêm características de culto minoritário, só que, no seu caso, capaz de conquistar milhões em todo o mundo.

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A larga maioria estava presente para ver os Depeche Mode que, mais de 30 anos e muitas crises existenciais depois, continuam bastante activos. São até um caso singular na cultura pop, um daqueles projectos que mantêm características de culto minoritário, só que, no seu caso, capaz de conquistar milhões em todo o mundo.

Os últimos álbuns (o derradeiro, Delta Machine, foi lançado em Março) não acrescentam nada de significativo ao seu percurso, mas também não o comprometem. Exactamente o que se passa também em palco. Quando tocam as canções mais recentes, os indefectíveis mais próximos do palco reagem com emoção, enquanto os restantes se alheiam um pouco, mas quando os sucessos que todos conhecem são abordados existe uma reacção de celebração que é transversal.

Foi, por isso, um concerto inteligente, com uma primeira metade mais centrada em canções dos últimos tempos, com o grupo a ter de se desafiar a si próprio para conquistar a plateia, e uma segunda parte com mais êxitos, daqueles em que parece que a assistência puxa mais pelo grupo do que o contrário.

Esta não é, cenicamente, a sua melhor digressão (em comparação, por exemplo, com Tour for the Masses ou Devotional), mas a verdade é que o trio – coadjuvado por um baterista e um teclista – mantém intactas todas as capacidades.

Dave Gahan domina o cenário de forma endiabrada, rodopiando sobre si próprio, agarrado ao pé do microfone, ao mesmo tempo que se expressa numa voz potente e desenvolve movimentos pélvicos. O som da guitarra de Martin Gore, inspirado nos blues, é essencial, sem prescindir de alguns números solitários (em Shake the disease ou Home, acompanhado apenas ao piano), para expressar o baladeiro melodramático que existe dentro dele. O mais discreto é Andrew Fletcher, nos teclados, comodamente em segundo plano.

Os dinamismos rítmicos obsessivos, a rispidez emocional e, por vezes, o som mais musculado de alguns temas do último álbum, como Welcome to my world – a canção de abertura – Angel ou Soothe my soul fizeram-se ouvir, marcando a toada do concerto, mas o que dominou foram êxitos como A question of time, Enjoy the silence, Walking in my shoes ou Policy of truth. Diga-se que não se limitaram à reprodução, conseguindo surpreender na reinterpretação de Personal jesus ou A pain that i’m used to.

Na fase final, no encore, delírio geral com Just can’t get enough, enquanto I feel you e Never let me down again, serviram para que o público cantasse a uma só voz, confirmando que os ingleses continuam a fazer dos concertos momentos de celebração colectiva.

O alinhamento do palco principal foi bastante heterogéneo. Começaram os portugueses OqueStrada, com a sua mundividência da música popular portuguesa, com temas novos a prenunciar o novo álbum, seguindo-se os americanos Jurassic 5, figuras credíveis mas não determinantes do hip-hop na década de 1990, regressados ao activo recentemente, depois de meia dúzia de anos de interregno.

E surpreenderam. Quatro declamadores em palco e dois DJ (Nu-Mark e Cut Chemist) fizeram a festa, agarrando o público com sabedoria, através do balanço mais suavizado do hip-hop, com uma fluência vocal harmónica que nunca resvalou para a contundência.

A maior parte da assistência não conhecia certamente a música do colectivo de Los Angeles, mas deixou-se seduzir sem dificuldades. Se mais provas fossem necessárias, eis mais uma que torna incompreensível por que não há mais figuras de topo de linguagens como o hip-hop ou o R&B em festivais para massas em Portugal.

Depois do hip-hop, o pós-punk reactualizado pelos ingleses Editors, o típico grupo competente, com um vocalista carismático e algumas canções de cariz épico que ficam no ouvido, capazes de cumprirem bem com o papel de agitar a multidão, prenunciando os cabeças de cartaz Depeche Mode, mas que nunca chegarão à primeira linha.

No palco Heineken, realce para os canadianos Rhye, autores de um excelente álbum deste ano, Woman. Foram a surpresa maior da noite. Não tanto pelo concerto (precisam nitidamente de mais rodagem), mas porque a sua música voluptuosa e intimista, por vezes quase próxima do silêncio, gerou enorme empatia com quem assistia.

É uma música que projecta imenso espaço. A estrutura fundadora – baixo, bateria, teclados e instrumentos de cordas – é por vezes esquelética e a voz e presença de Mike Milosh (algures entre Sade e George Michael) é discreta. Nos momentos em que se lançam à improvisação, como se fossem uma formação de jazz, sente-se instabilidade, qualquer coisa que ainda não está totalmente consolidada. Mas, milagre, apesar da fragilidade, a coisa funciona.

Eles estavam nitidamente satisfeitos – “Nunca tocámos para tanta gente”, lançou às tantas Milosh – e o público também, principalmente quanto tocaram canções como Last dance, The fall ou Open.

Horas antes, no palco Optimus Clubbing, o projecto How To Dress Well, havia projectado qualquer coisa de semelhante, com Tom Krell a expor o seu falsete vocal ao serviço de uma sonoridade electrónica minimalista com momentos de enlevo orquestral, na linha do novo R&B. Às tantas, pelo facto de o som dos palcos adjacentes se ouvir ali, disse que gostaria de voltar para “um concerto a sério”. Nós também gostávamos de o ver e ouvir com outro tipo de condições.

Num festival deste género, com estímulos a surgirem de todos os lados, e com música a fazer-se ouvir em diversos palcos, por vezes de alguns concertos ficam apenas leves impressões: não vimos na totalidade o espectáculo de Paulo Furtado (Legendary Tiger Man), mas pelo que presenciámos não custa perceber que foi um dos vencedores da noite. O mesmo se aplicando aos portugueses Capitão Fausto, caso sério em palco, que o poderá ser ainda mais, quando a sua sonoridade for ainda mais personalizada, deixando de lado algumas influências, expostas, generosamente é certo, à flor da pele.

Referência ainda para os portugueses Throes & Shine, que actuaram no coreto da Red Bull Music Academy, expondo um som sincrético de grande energia, entre o rock e o kuduro. Não podiam propiciar uma celebração  geracional como os Depeche Mode, mas para as centenas de pessoas – a maior parte estrangeiros – que o viveram como se fosse o último dia das suas vidas, é capaz de ter sido o momento da noite. No OptimusAlive cada um leva a sua história para contar.

 
 
 Texto corrigido às 16h05: substituído o título do tema Judas por Shake the disease