Bolsa afunda-se e juros da dívida chegaram a tocar os 8%
Mercados reagem no vermelho à demissão de Paulo Portas e à crise política instalada.
A demissão de Paulo Portas e a iminência de mais demissões dos membros do CDS-PP no Governo instalaram a crise política em Portugal e os mercados, que já tinham mostrado a sua apreensão na terça-feira, após o anúncio do ministro dos Negócios Estrangeiros, acentuaram hoje a tendência negativa.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A demissão de Paulo Portas e a iminência de mais demissões dos membros do CDS-PP no Governo instalaram a crise política em Portugal e os mercados, que já tinham mostrado a sua apreensão na terça-feira, após o anúncio do ministro dos Negócios Estrangeiros, acentuaram hoje a tendência negativa.
Na manhã desta quarta-feira o cenário é depressivo: os juros da dívida pública a 10 anos, que iniciaram o dia nos 6,798%, dispararam durante as primeiras horas e, às 8h35, chegaram a ultrapassar a barreira dos 8%, atingindo um máximo de 8,017%, o valor mais alto desde Novembro do ano passado. Nas horas seguintes, até ao final da manhã, verificou-se uma correcção, com as taxas a recuarem para os 7,59%.
A dois e a cinco anos, os juros chegaram aos 4,434% e a 6,816%, respectivamente, depois de ontem terem encerrado nos 3,504% e 5,508%.
“É o alarme da fadiga da austeridade. Este barulho doméstico é definitivamente negativo”, diz David Schnautz, analista do Commerzbank AG, em Nova Iorque, citado pela Bloomberg.
Os juros da dívida de Espanha e de Itália também reagiram à turbulência política e aumentaram 12 pontos base, para 4,74%, no caso de Madrid, e para 4,53% no caso de Roma. Já a dívida a dez anos da Alemanha caiu quatro pontos base, para 4,74%. A actual situação na Grécia, obrigada a acelerar reformas para receber a nova tranche de ajuda, também está a afectar negativamente o sentimento dos mercados.
No entanto, apesar do clima de nervosismo ser geral, o que é certo é que Portugal é o país que regista um agravamento mais acentuado das taxas, que deste modo estão agora mais próximas, nas maturidades a 10 anos, dos 11,559% apresentados pela Grécia e mais longe dos 4,050% da Irlanda.
Na Bolsa de Lisboa, que ontem não foi afectada pela notícia de saída de Portas, porque esta surgiu já depois do fecho, o dia está a ser muito negativo, e chegou a níveis de 1998. O principal índice abriu o dia a cair 4,60%, para 5275,94 pontos, e às 8h23 o PSI20 derrapava ainda mais: -5,68%, para 5216,42 pontos. A praça lisboeta não parou de cair: cerca de uma hora depois, descia 6,44% e pouco antes das dez da manhã ultrapassava os 7%.
A banca protagonizava as maiores quebras. Às 8h23 o BPI derrapava 11,21%, o BCP 11,82% e o Banif 10,88%. O BES caía 9,9% à mesma hora. Contudo, o cenário global é de descida generalizada. Não havia, àquela hora, nenhuma empresa em terreno positivo.
Na Europa, as bolsas acompanharam a queda em Lisboa, mas com descidas muito menos acentuadas. Em Paris, a bolsa caiu 0,90%, em Londres o FTSE-100 desceu 0,48% e em Frankfurt o Dax recuou 0,88%.
“Portugal é o principal tema do dia e as obrigações periféricas estão mais fracas. Isto pode afectar Portugal e o seu regresso aos mercados, que pode ser atrasado ou tornar-se mais difícil. A longo prazo, há o risco de um segundo pedido de resgate”, analisa Rainer Guntermaann do Commerzbank, citado pela Bloomberg.
Efeito nos mercados é temporário
Ao PÚBLICO Filipe Silva, analista do Banco Carregosa, diz que a queda da bolsa e a alta de juros é sinal de que Portugal já não é o país que “sempre apresentou estabilidade política”. “Quem olha de fora e quem está a investir em Portugal prefere neste momento não ter investimento e vender, esperando que as coisas acalmem”, afirma.
Mas, apesar deste cenário, Filipe Silva acredita que este é um efeito “do momento”, provocado pela crise política, mas que será ultrapassado assim que se resolver a situação governativa. “O mercado reage muito rápido, quer positiva, quer negativamente, e isso faz com que se assista a estes níveis de vendas”, explica. A temível comparação com a Grécia não tem razão de ser, continua. “Temos cumprido e somos diferentes”, observa o analista, repetindo que o comportamento da bolsa é “mais um efeito de mercado”.
Ontem ao final do dia, e depois do anúncio da demissão de Paulo Portas, Pedro Passos Coelho falou ao país para garantir que se mantém à frente do Governo, colocando o ónus da responsabilidade pela crise política no seu parceiro de coligação. Passos Coelho não aceitou a saída de Portas como ministro dos Negócios Estrageiros, apesar de o líder do CDS-PP ter deixado claro que a sua posição é incontornável. Foi a demissão de Vítor Gaspar, segunda-feira, e a sua substituição por Maria Luís Albuquerque que precipitou o país para a actual situação.
A incerteza governativa está, assim, a ter reflexos na confiança que os mercados depositam na capacidade de Portugal em conseguir obter o financiamento necessário para amortizar os seus títulos de dívida pública. Faltam pouco menos de duas semanas para o início da oitava avaliação da troika. Para este exame, o executivo tinha de, entre outras medidas, dar a conhecer o guião da reforma do Estado (que Paulo Portas teria de entregar) e pormenorizar as medidas de redução de 4700 milhões de euros de despesa pública.