O primeiro herói caído
A primeira morte da Grande Boucle é um imenso tabu, oculto nas mais diversas obras que contam a história da Volta à França.
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Oriundo da região de Bilbau, era, ao contrário da maior parte dos ciclistas dessa época, proveniente de uma família rica. O pai, industrial, pertencia à "burguesia" basca. Ele, juiz municipal, alimentava a paixão pelo ciclismo, sem esperar qualquer tipo de retorno, fosse monetário ou pessoal. Como dizia o seu pai, "não precisava disso". O "isso" era a modalidade que acabaria por matá-lo.
Estávamos a 11 de Julho de 1935, dia em que se subia e descia o Galibier. Aquela era a Grande Boucle da revolução das jantes de duralumínio. A liga composta de alumínio, cobre, magnésio e manganésio equipava as "máquinas" dos corredores. Substituía as tradicionais jantes em madeira, mais pesadas. Dias antes, durante a segunda etapa, entre Lille e Charleville, os observadores constatam um número inusitado de rebentamentos de rodas. Sob um calor sufocante, os corredores desesperam. Martano, um dos favoritos, cai e abandona.
"Houve rebentamentos, rebentamentos em quantidade incrível, desesperante, desconcertante (...). Rebentavam, sobretudo, nos passeios cicláveis, onde a horrível escória que os cobria dissimulava os inúmeros fragmentos metálicos", descreveu o famoso cronista Raymond Huttier no n.º 833 do Miroir des Sports, de 9 de Julho. A má aderência do adesivo nas jantes de duralumínio sobreaquecidas fazia as suas primeiras vítimas.
O problema agrava-se. Na sexta etapa, o italiano Gestri abandona, vítima de uma queda grave. Um dia depois, Cepeda perde um pneu. Repara prontamente a avaria e junta-se a um pequeno grupo que se encontrava mais à frente. No alto do Galibier, seguia atrasado para a frente da corrida. Juntou-se a Vignoli, um hábil italiano, especialista em descidas. Numa das famosas curvas de um dos pontos míticos do Tour, o espanhol saiu em frente. Sem câmaras, sem testemunhas, conta-se que embateu num espectador, voou pelo ar e caiu de cara no chão, arrastando na queda o companheiro de descida.
Vignoli, com a clavícula partida, desiste. Cepeda, ajudado por alguns espectadores, regressa à sua bicicleta. Instantes depois, as forças abandonam-no e é obrigado a abdicar. Transportado para uma clínica em Grenoble, perde a consciência no caminho. Na caravana, debatem-se teorias, fala-se de um choque contra um carro, da queda por um barranco, do sobreaquecimento das rodas em contacto com o duralumínio, na sequência das inevitáveis travagens sucessivas na descida. O único ponto em que são unânimes é o estado do paciente: fractura do crânio. Morreria três dias depois, sem nunca ter recuperado a consciência.
O corpo do primeiro herói caído do Tour foi recebido na sua terra natal, Sopuerta, por gentes incrédulas. Consternados, os corredores espanhóis dividem-se entre o abandono e a homenagem, decidindo continuar. O gesto foi descrito por Huttier como "um belo exemplo de coragem e abnegação". A 16 de Julho, um dia depois da morte do jovem de 29 anos, o L"Auto, jornal organizador da prova, homenageava o espanhol numa crónica intitulada "Pobre pequeno Cepeda".
A partir desse momento, silêncio. Sobre as causas, as circunstâncias e, inclusive, o facto em si. A primeira morte da Grande Boucle é um imenso tabu, oculto nas mais diversas obras que contam a história da Volta à França.
Nas memórias do ciclista André Leducq nem uma palavra sobre o basco. Na Fabulosa História da Volta à França, de Pierre Chany, fala-se do problema das jantes na segunda etapa, dos sucessivos abandonos, mas nada sobre Cepeda. No número especial de antevisão da But & Club, de 1950, surge a lista de "mártires" da prova francesa desde 1903, mas o pequeno ciclista não consta dela.
Acaso? Não. Na edição especial do L"Équipe, O Tour tem 50 anos, se a página 114, que resume o ano de 1935, enumera as quedas de Magne, Camusso, Lapébie, Merviel ou Di Paco, esquece a morte de Cepeda. Só 50 anos mais tarde, na edição do centenário do mesmo diário desportivo francês, o "historiador" da prova, Serge Laget, recorda o espanhol, sugerindo apenas que este foi "vítima da sua paixão".