Ana Biscaia vence Prémio Nacional de Ilustração
O júri valorizou a transgressão dos “alinhamentos habitualmente impostos pela composição e paginação gráfica e tipográfica”.
O júri avaliou 78 obras, publicadas por 45 editoras no ano passado, correspondendo a trabalhos de 63 ilustradores e 66 autores de texto.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O júri avaliou 78 obras, publicadas por 45 editoras no ano passado, correspondendo a trabalhos de 63 ilustradores e 66 autores de texto.
Nomeados pela Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), os jurados consideraram que o texto de A Cadeira Que Queria Ser Sofá se assume “como ilustração, produzindo, em certas páginas, um corpo plasticamente orgânico e coerente”, lê-se na acta, assinada por Adriana Baptista, docente da Escola Superior de Educação do Porto, Manuel San Payo, professor da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, artista plástico e ilustrador, e Cristina Grácio (DGLAB).
Refere-se ainda que “as qualidades pictóricas desta obra utilizam o livro enquanto objecto e formato, transgredindo os alinhamentos habitualmente impostos pela composição e paginação gráfica e tipográfica”. E conclui-se: “A relação com o formato diário gráfico, caderno de esboços ou scrap book é evidente. O desenho por tentativa e erro e o apelo ao táctil simulam um manuscrito. Esta obra exibe um valor plástico arrojado na figuração e na representação alegórica da morte e da solidão, respondendo ao texto de forma simultaneamente coerente e desconcertante."
Para Ana Biscaia, receber este prémio é “motivo de grande contentamento”, disse ao PÚBLICO. “O reconhecimento faz-me pensar que a ilustração pode ser um caminho para mim.” Neste momento, a ilustradora trabalha na Câmara Municipal de Coimbra, no sector da habitação.
Assim que soube que tinha sido distinguida, telefonou para o seu professor do mestrado em Design Gráfico e Ilustração que frequentou em Estocolmo, Andreas Berg: “Foi ele que me ensinou como me posicionar em relação à ilustração, fazendo-me ver que é uma grande responsabilidade o poder que a ilustração nos dá de dizer coisas, mostrar coisas.”
A Cadeira Que Queria Ser Sofá “foi construído com uma grande liberdade, ninguém me limitou em número de páginas”, conta. Depois da leitura dos textos e alguma investigação sobre a morte, tema central do livro, começou “a desenhar, a desenhar e já ia em cento e tal páginas”. Teve de abrandar e fazer escolhas.
Proibir a morte
O livro, como se escreveu no PÚBLICO de 5 de Maio de 2012, “tem sotaque brasileiro e conta três histórias singulares: Espanto feliz, O piano de calda e A cadeira que queria ser sofá. São todas sobre a morte. De um país, de uma família de chocolates e de uma cadeira. Não são narrativas mórbidas, há até bastante espaço para a ironia, mesmo que não sejam perceptíveis por crianças com níveis de leitura iniciais. Mas lá chegarão.
“O autor, Clovis Levi, é professor e crítico de teatro infantil. No primeiro conto, um rei infeliz proíbe a morte, depois os nascimentos e, mais tarde, a alimentação. ‘O Sol, vendo um reino sem crianças e sem jovens, decidiu nunca mais aparecer ali. Então, caiu a noite eterna.’ Mas a luz há-de voltar.
“Na segunda história, o bombom mais novo da família está ansioso por ser escolhido por uma criança. Pensa que vai passear e conhecer o mundo. ‘Não é passeio, é morte’, grita-lhe ‘um chocolate bem amargo’.
“O conto que dá nome à obra apresenta-nos uma cadeira antiga que pertence à bisavó Clotilde e que gostava de ser um sofá. No final da vida de ambas, são separadas e consideradas inúteis. Uma é queimada e a outra internada.
“Embora não pareça, a história tem um final feliz. Só que não neste mundo. As ilustrações de Ana Biscaia, ora sombrias, ora mais luminosas e bem-humoradas, mantêm uma ligação estreita com o sentido do texto, sem se lhe prender demasiado. Há soluções gráficas muito eficazes, mas outras (no segundo conto) tornam o texto pouco legível. Um livro original’.”
A história de que a ilustradora mais gosta é a primeira.“Reflecte muito o mundo de hoje, que é um mundo infernal, mas onde podemos encontrar pontos de luz. E a ilustração é um ponto de luz.” Ana Biscaia faz uma analogia com a situação actual do país, “também governado por um rei tresloucado”.
O mundo ao contrário
O valor do prémio é de 5000 euros, acrescido de uma comparticipação de 1500, destinada a apoiar a deslocação do vencedor à Feira Internacional do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha. As menções especiais valem 1500 euros e destinam-se igualmente a comparticipar duas deslocações àquela feira.
O júri entendeu também destacar O Quebra-Cabeças, de Mariana Rio e Helena Carvalho (Eterogémeas). Justificação: “Enquanto percurso lúdico, a obra povoa as páginas ladrilhadas de carimbos zoomórficos, que nos olham e se olham, relacionando-se com a cor e com as acções que praticam num desafio de truncagem. Ficam perguntas acerca desta geometria incerta, por vezes arquitectonicamente organizada, por vezes caótica, por vezes reorganizada tal qual num truque de criança que troca todas as cabeças e as pernas, virando o mundo ao contrário para que se perceba.”
(Premiados em anos anteriores)
Notícia actualizada às 11h55, com as declarações de Ana Biscaia