50 anos de uma ponta à outra
Enquanto neto, olho-o com admiração e, acima de tudo, como um portador de uma dádiva que ninguém, na minha geração, jamais alcançará
Acácio e Celeste eram vizinhos. Viviam numa aldeia minúscula do centro de Portugal e conheciam-se praticamente desde o berço. Os seus pais davam-se bem, desde sempre, assim como outros antepassados. A vida em pequenas comunidades costumavam ser assim. As rotinas, as convivências e as redes de contactos fizeram-nos aproximar-se e, eventualmente, apaixonar-se. Passados alguns meses, o Acácio, então com 26 anos, e a Celeste, com 24, casaram-se. Isto aconteceu de verdade - há meio século.
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Acácio e Celeste eram vizinhos. Viviam numa aldeia minúscula do centro de Portugal e conheciam-se praticamente desde o berço. Os seus pais davam-se bem, desde sempre, assim como outros antepassados. A vida em pequenas comunidades costumavam ser assim. As rotinas, as convivências e as redes de contactos fizeram-nos aproximar-se e, eventualmente, apaixonar-se. Passados alguns meses, o Acácio, então com 26 anos, e a Celeste, com 24, casaram-se. Isto aconteceu de verdade - há meio século.
Desde então, atravessaram todos aqueles clichés que vemos nos filmes ou lemos nos livros. Com uma diferença – entre eles a acção não foi ficção. As dificuldades, as alegrias, as mortes, os nascimentos, os outros casamentos, uns tantos divórcios, os choros e os risos. Viram de tudo. Sempre juntos. Mas nunca sozinhos.
Da aventura a dois, nasceu uma família. Inevitavelmente, uns vão desaparecendo deixando apenas para trás a saudade em quem sente a sua ausência, mas outros vão surgindo. Desta história de amor – demasiado longa para uma crónica só – nasceram duas crianças, hoje adultas e das maiores forças motrizes do clã. O Fernando é DJ de renome de uma das maiores casas de diversão lisboetas. A Preciosa é minha mãe.
Hoje tenho a idade do Acácio quando casou. Enquanto neto, olho-o com admiração e, acima de tudo, como um portador de uma dádiva que ninguém, na minha geração, jamais alcançará. Fruto da feliz democratização do divórcio e da infeliz falta de paciência que temos uns com os outros, as cinco décadas felizes de casamento (ou união de facto ou vida em comum ou o que lhe quiserdes chamar) são já raríssimas. E assim o serão, cada vez mais.
A minha solteirice ajuda-me a ser descrente. Mas não só. A fugacidade das relações da malta da minha idade deixa antever um espanto natural por aqueles casais que namoram já há sete ou oito anos. Conheço alguns casos e, como não poderia deixar de ser, gabo-lhes a luta mas também o esforço. Ainda assim, não acredito que sejam muitos os felizardos que, daqui para a frente, atinjam a marca dos cinquenta (!) anos de amor. Espero estar redondamente enganado.
Hoje, o Acácio e a Celeste estão numa casa modesta da mesma aldeia dos dias de criança. Hoje, como tem sido desde há 50 anos, moram debaixo do mesmo tecto. Neste momento, observo-o, a ele, ali ao fundo, na encosta deste simpático vale, a apascentar o seu pequeno rebanho de cabras. Ela está mesmo aqui, na cozinha, a fazer doces capazes de deixar uma família inteira de água na boca. Será sempre esta a imagem que guardarei deles e do amor fraterno que ergueram.