O génio e o trabalho
Vinte e seis anos depois de Townes van Zandt, a sua maldição permanece: filhos e várias ex-mulheres ainda permanecem em tribunal lutando pelos royalties do bardo, uma refrega que envolve ainda ex-donos de editoras e ex-agentes. A situação potenciou a profusão de edições de discos ao vivo de Townes que, ao invés de finalmente o tornarem um nome consensual do blues, menoriza a herança daquele que foi, muito possivelmente, o melhor criador de canções americanas. Há muito que se concluiu que não há originais por editar de Townes (nem que seja um a capella com voz de bagaço em manhã de ressaca) e está-se claramente a rapar o fundo ao baú.
Mas há rapadelas mais profícuas do que outras, e felizmente esse é o caso deste Sunshine Boy. Não há aqui originais, mas o que se ouve — fundamentalmente, takes alternativos de canções de Townes, gravadas em estúdio, que nunca chegaram a disco — além de na sua maioria ser muito bom, tem a vantagem de mostrar que Townes, ao contrário do que o seu mito diz, trabalhava muito as canções: há versões que estão a milhas de como surgiram em disco, umas com pianos que não existiam, todas sem as orquestrações que viriam a marcar os álbuns. Além disso, em Sunshine Boy surge, com relativa assiduidade, um Townes menos limpo do que o que conhecemos em disco, mais bruto, mais liberto. Um Townes que, por exemplo, rocka, e rocka largo, como é visível em Who do you love, marcada por um aceso debate entre um padrão de bateria com bichos-carpinteiros, uma slide-guitar marota e um contrabaixo vicioso. Sunshine boy, o tema, é pontuado por uma guitarra wah-wah e solos de guitarra; pelo resto do disco duplo surgem pianadas, e maior propensão percutiva do que a que marcou as edições de Townes. Numa espantosa versão de Where I lead me, encontramos Townes em território de plena country-soul, rodeado de metais luxuosos e uma pandeireta festiva.
A marca mais notória da composição de Townes, o fingerpicking complexo e delicado, surge em menor percentagem: numa boa parte destes temas o ataque à guitarra é um strumming, nem sempre bem conseguido, mas que coloca as canções a milhas do existencialismo poético que sempre lhe associámos. Sunshine Boy não funciona como introdução para neófitos, mas é uma interessantíssima peça para os já convertidos, mostrando um Townes mais lúdico e trabalhador. Porque — não se enganem — o génio pode não gramar de empregos convencionais, mas nunca é preguiçoso.
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Vinte e seis anos depois de Townes van Zandt, a sua maldição permanece: filhos e várias ex-mulheres ainda permanecem em tribunal lutando pelos royalties do bardo, uma refrega que envolve ainda ex-donos de editoras e ex-agentes. A situação potenciou a profusão de edições de discos ao vivo de Townes que, ao invés de finalmente o tornarem um nome consensual do blues, menoriza a herança daquele que foi, muito possivelmente, o melhor criador de canções americanas. Há muito que se concluiu que não há originais por editar de Townes (nem que seja um a capella com voz de bagaço em manhã de ressaca) e está-se claramente a rapar o fundo ao baú.
Mas há rapadelas mais profícuas do que outras, e felizmente esse é o caso deste Sunshine Boy. Não há aqui originais, mas o que se ouve — fundamentalmente, takes alternativos de canções de Townes, gravadas em estúdio, que nunca chegaram a disco — além de na sua maioria ser muito bom, tem a vantagem de mostrar que Townes, ao contrário do que o seu mito diz, trabalhava muito as canções: há versões que estão a milhas de como surgiram em disco, umas com pianos que não existiam, todas sem as orquestrações que viriam a marcar os álbuns. Além disso, em Sunshine Boy surge, com relativa assiduidade, um Townes menos limpo do que o que conhecemos em disco, mais bruto, mais liberto. Um Townes que, por exemplo, rocka, e rocka largo, como é visível em Who do you love, marcada por um aceso debate entre um padrão de bateria com bichos-carpinteiros, uma slide-guitar marota e um contrabaixo vicioso. Sunshine boy, o tema, é pontuado por uma guitarra wah-wah e solos de guitarra; pelo resto do disco duplo surgem pianadas, e maior propensão percutiva do que a que marcou as edições de Townes. Numa espantosa versão de Where I lead me, encontramos Townes em território de plena country-soul, rodeado de metais luxuosos e uma pandeireta festiva.
A marca mais notória da composição de Townes, o fingerpicking complexo e delicado, surge em menor percentagem: numa boa parte destes temas o ataque à guitarra é um strumming, nem sempre bem conseguido, mas que coloca as canções a milhas do existencialismo poético que sempre lhe associámos. Sunshine Boy não funciona como introdução para neófitos, mas é uma interessantíssima peça para os já convertidos, mostrando um Townes mais lúdico e trabalhador. Porque — não se enganem — o génio pode não gramar de empregos convencionais, mas nunca é preguiçoso.