Porque não nos revoltamos?

Há uma indignação pacata em Portugal. A nossa revolta parece ter horários marcados. Temos na agenda uma indignação para a próxima terça, pelas nove da manhã, mais coisa menos coisa

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Ueslei Marcelino/Reuters

Alerto, desde já, para a orientação da pergunta presente em título: não é retórica e muito menos uma proposta de rebelião. É uma questão sincera, com a humildade de quem olha as realidades que nos enchem os media e se indaga sobre as razões que impedem que nós, portugueses, saiamos de casa em tal magnitude e intensidade.

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Alerto, desde já, para a orientação da pergunta presente em título: não é retórica e muito menos uma proposta de rebelião. É uma questão sincera, com a humildade de quem olha as realidades que nos enchem os media e se indaga sobre as razões que impedem que nós, portugueses, saiamos de casa em tal magnitude e intensidade.


Um passeio pelas redes sociais mostra tão bem a portugalidade de quem somos. Aqui no meu mural – todos temos um extraordinário barómetro do pensamento colectivo escondido nos nossos computadores - vê-se uma notícia com um comentário depreciativo sobre um ministro, a seguir a uma ilustração bacoca de alívio por ser sexta-feira. Depois, imagens poderosas da Turquia. Mais abaixo, uma admiração pela foto nova da Nicki Minaj em trajes ultra-minimalistas – vulgo, pele. Mais fotografias violentas do Brasil seguidas de não-assuntos.


A amplitude de tamanhas manifestações de descontentamento coloca-nos em perspectiva. Assistimos, há poucos anos, à Primavera Árabe. Passado algum tempo, fomos os priviliegiados que viram, no conforto do sofá, em directo, as incontáveis manifestações massivas na Grécia. Protestantes a ferro e fogo contra a polícia. Desde há poucas semanas para cá, a violência tem sido turca. E, nos últimos dias, brasileira, contra a má utilização de dinheiros públicos.


Em comum, as demonstrações e larga escala, as lutas com agentes da autoridade e os cenários de rebelião que deixariam a geração de "punks" dos anos 70 a pulular de entusiasmo e alegria. No entanto, por cá, e por mais manifestações que façamos, a violência não está nas ruas. Há uma indignação pacata em Portugal. A nossa revolta parece ter horários marcados. Temos na agenda uma indignação para a próxima terça, pelas nove da manhã, mais coisa menos coisa. Cedinho, para ter logo a energia toda. Barafusta-se ali até às onze e meia que depois há coisas em casa por fazer, e mete-se o almoço, e está o dia feito.


Sem julgamentos ou "achismos", é incrível este nosso modo de estar. Os nossos telejornais recordistas em duração enchem-se de desgraças e maledicências – há muito mais notícias que nos mostram ao espelho do que aquelas que nos explicam como vivem os vizinhos – mas têm validade. Do lado de fora da TV, os dias só mudaram para quem enfrenta dramas reais em que já nem trocos há na carteira. E mesmo esses alcançam heroicamente uma solução.


Já se percebeu que não há resposta para a questão formulada no início desta modesta crónica. Pelo menos, eu não a tenho. E não critico este nosso modo de olhar para os dramas. Pelo contrário: atirar calhaus a polícias não é a melhor forma de procurar soluções. Ainda assim, intriga pensar neste nosso salutar marasmo disfarçado de indignação constante.