Eu estou no Rio de Janeiro

Esta é uma "carta urgente" do sociólogo João Teixeira Lopes para a sua amiga Hustana

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Sergio Moraes/Reuters

Você deve estar na Getúlio Vargas com Ricardo e seus filhos e eu estou com você no Rio de Janeiro. No Rio eu sou por inteiro. Desta vez não há praia, nem Cármen Miranda, nem garota de Ipanema, nem a boémia da Lapa, nem futebol, nem milagre económico. Não importa. Destruamos o conforto desses mitos, deles já não brota nada, são cadáveres infecundos! Você sente toda esta gente, esse calor novo, de uma outra espécie, essa pulsação insana de uma imensa espera? Gente é um movimento perpétuo que engole o medo. E sem medo eu estou no Rio de Janeiro.

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Você deve estar na Getúlio Vargas com Ricardo e seus filhos e eu estou com você no Rio de Janeiro. No Rio eu sou por inteiro. Desta vez não há praia, nem Cármen Miranda, nem garota de Ipanema, nem a boémia da Lapa, nem futebol, nem milagre económico. Não importa. Destruamos o conforto desses mitos, deles já não brota nada, são cadáveres infecundos! Você sente toda esta gente, esse calor novo, de uma outra espécie, essa pulsação insana de uma imensa espera? Gente é um movimento perpétuo que engole o medo. E sem medo eu estou no Rio de Janeiro.

Penso nos meus alunos brasileiros, tento reparar em todos os seus rostos desfilando na imensa maré do milhão de manifestantes, como um dia Clarice Lispector desafiou a ditadura na passeata dos cem mil; penso na irmã Doroteia que conheci no Recife e foi secretária de Dom Hélder Câmara; lembro do que ela dizia da destruição da emancipação pelo entretenimento, pão e circo para a galera.

“Viver é melhor do que sonhar e qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa” — recorda Elis?

Eu estou no Rio de Janeiro, em Salvador, em Brasília, em Porto Alegre, em Belo Horizonte, em São Paulo… Há algo de profundamente poético nesse povo que marcha dizendo que não é por vinte centavos do transporte, mas pelos direitos sempre negados. É pelos meninos da Candelária. É por essa espécie de Rio que se vira ao contrário, um mar engolindo a nascente, uma sofreguidão de séculos, dos navios negreiros ao presente, nada esquecer para tudo viver. Eu estou em São Paulo e talvez tenha percebido, agora, o misterioso verso de Caetano: “Alguma coisa acontece no meu coração que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João…”.

E consigo no Rio, de novo, com Ana ao meu lado, imagino que tudo é possível, que desta vez não seremos vencidos, que uma profunda justiça nos cobrirá a todos e que o samba é luta e a luta é samba. “Porque o novo sempre virá”.

Tanto mar, amiga!