David Foster Wallace por outras palavras: as da viúva dele
David Foster Wallace suicidou-se em 2008; agora, quase cinco anos depois, a sua viúva, Karen Green, dá conta dessa morte em Bough Down, colectânea de textos e colagens.
No dia 12 de Setembro de 2008, o escritor norte-americano David Foster Wallace (n. 1962) enforcava-se em casa, terminalmente derrotado por 20 anos de depressão e de tratamentos anti-depressivos. Karen Green, a artista com quem estava casado desde 2004, foi a primeira a encontrá-lo — mas não é essa a única experiência pós-morte que agora conta no seu primeiro livro, Bough Down (Siglio Press), uma colectânea de poemas em prosa e de colagens em que ressaca a espiral de luto privado e de exposição pública para que foi subitamente atirada após o suicídio do marido. “Tenho a impressão de que te parti as rótulas quando te puxei para baixo. Continuo a ouvir esse som”, diz num dos textos iniciais do livro, que a crítica norte-americana está a receber com fervor. E a seguir: “Quero-o zangado com os políticos (...), a tentar manipular-me para lhe fazer favores que eu faria de qualquer maneira. Quero-o à procura dos óculos, a tentar não se vir (...), a ficar com espinafres entalados entre os caninos e a gengiva, a resmungar com a minha verborreia, ou com a minha mãe. Não o quero em paz.”
Do Wall Street Journal ao Los Angeles Times, passando pelo New York Daily News, os méritos de Bough Down — não tanto como buraco na fechadura da porta que se fechou com a morte de David Foster Wallace, mas sobretudo como descoberta de uma voz autoral autónoma — têm sido sistematicamente elogiados. “Karen Green revela-se uma escritora profundamente boa: Bough Down é afectuoso, inteligente e divertido, além de brutalmente claro e triste”, escreveu Martin Riker no Wall Street Journal. No Los Angeles Review of Books, Maggie Nelson considera o livro “um clássico instantâneo”: “É um dos mais comoventes, estranhos, originais, assombrosos e belos documentos acerca da dor que já li”, escreve Nelson, celebrando não só as passagens mais sombrias (o buraco sem fundo da relação da autora com psiquiatras e medicamentos, como que ecoando a experiência de Wallace, e o vazio da casa onde a mancha de suor que o marido deixou na almofada parece o mapa de um plano de fuga) mas também a forma como Karen Green arranjou espaço dentro do luto para declarar o seu amor, e a sua luxúria, por David Foster Wallace.
No site da editora, o escritor George Saunders compara o pequeno livro de memórias da viúva de Karen Green ao “fado português”: “um lamento apresentado com tanta precisão que se torna luminoso e afirmativo”. Minúsculo e precioso, Bough Down não se tornará certamente um fenómeno de culto como os livros de David Foster Wallace — cujo colossal A Piada Infinita, de 1996, que a Queztal editou em Portugal no Outono passado, foi considerado pela Time um dos melhores romances em língua inglesa publicados entre 1923 e 2005. Mas depois dele talvez os estranhos deixem de se sentir à vontade para mandar e-mails a Karen Green dizendo-lhe que ninguém a conhece.
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No dia 12 de Setembro de 2008, o escritor norte-americano David Foster Wallace (n. 1962) enforcava-se em casa, terminalmente derrotado por 20 anos de depressão e de tratamentos anti-depressivos. Karen Green, a artista com quem estava casado desde 2004, foi a primeira a encontrá-lo — mas não é essa a única experiência pós-morte que agora conta no seu primeiro livro, Bough Down (Siglio Press), uma colectânea de poemas em prosa e de colagens em que ressaca a espiral de luto privado e de exposição pública para que foi subitamente atirada após o suicídio do marido. “Tenho a impressão de que te parti as rótulas quando te puxei para baixo. Continuo a ouvir esse som”, diz num dos textos iniciais do livro, que a crítica norte-americana está a receber com fervor. E a seguir: “Quero-o zangado com os políticos (...), a tentar manipular-me para lhe fazer favores que eu faria de qualquer maneira. Quero-o à procura dos óculos, a tentar não se vir (...), a ficar com espinafres entalados entre os caninos e a gengiva, a resmungar com a minha verborreia, ou com a minha mãe. Não o quero em paz.”
Do Wall Street Journal ao Los Angeles Times, passando pelo New York Daily News, os méritos de Bough Down — não tanto como buraco na fechadura da porta que se fechou com a morte de David Foster Wallace, mas sobretudo como descoberta de uma voz autoral autónoma — têm sido sistematicamente elogiados. “Karen Green revela-se uma escritora profundamente boa: Bough Down é afectuoso, inteligente e divertido, além de brutalmente claro e triste”, escreveu Martin Riker no Wall Street Journal. No Los Angeles Review of Books, Maggie Nelson considera o livro “um clássico instantâneo”: “É um dos mais comoventes, estranhos, originais, assombrosos e belos documentos acerca da dor que já li”, escreve Nelson, celebrando não só as passagens mais sombrias (o buraco sem fundo da relação da autora com psiquiatras e medicamentos, como que ecoando a experiência de Wallace, e o vazio da casa onde a mancha de suor que o marido deixou na almofada parece o mapa de um plano de fuga) mas também a forma como Karen Green arranjou espaço dentro do luto para declarar o seu amor, e a sua luxúria, por David Foster Wallace.
No site da editora, o escritor George Saunders compara o pequeno livro de memórias da viúva de Karen Green ao “fado português”: “um lamento apresentado com tanta precisão que se torna luminoso e afirmativo”. Minúsculo e precioso, Bough Down não se tornará certamente um fenómeno de culto como os livros de David Foster Wallace — cujo colossal A Piada Infinita, de 1996, que a Queztal editou em Portugal no Outono passado, foi considerado pela Time um dos melhores romances em língua inglesa publicados entre 1923 e 2005. Mas depois dele talvez os estranhos deixem de se sentir à vontade para mandar e-mails a Karen Green dizendo-lhe que ninguém a conhece.