Kanye West como nunca o ouviram antes
É o seu álbum mais ensombrado, de electrónica contorcida e minimal, como se quisesse mostrar que depois de ter chegado ao topo do mundo, tem ainda muita energia para se pôr em causa.
É um álbum surpreendente, de sonoridade excêntrica, se olharmos para o americano Kanye West apenas como a celebridade que está muitas vezes nas capas dos tablóides. Mas não é assim tão inesperado se o encararmos como o rapper, produtor e compositor que nunca perdeu o contacto com o que de mais estimulante se ia fazendo à sua volta – dos mais diversos universos musicais – e que mostrou sempre uma ambição férrea.
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É um álbum surpreendente, de sonoridade excêntrica, se olharmos para o americano Kanye West apenas como a celebridade que está muitas vezes nas capas dos tablóides. Mas não é assim tão inesperado se o encararmos como o rapper, produtor e compositor que nunca perdeu o contacto com o que de mais estimulante se ia fazendo à sua volta – dos mais diversos universos musicais – e que mostrou sempre uma ambição férrea.
Na maior parte das vezes a sua arrogância parece ser mais ele a falar consigo próprio do que qualquer outra coisa. É Kanye a competir com West, tentando superar-se a si próprio. O último álbum, My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010), já era isso: um disco apoteótico, de celebração de si próprio. O novo Yeezus, como o próprio título indicia, e a faixa I am a god acrescenta, remete também para essa personalidade paradoxal.
Mas é muito mais um disco virado para o exterior. Sonoramente é um disco que pode soar desconcertante a muita gente. Pode sempre dizer-se que está a tentar colar-se à recente paixão americana pela música de dança de massas. Não parece. Existem aqui e ali alguns traços. Mas na maior parte dos casos é um som electrónico distorcido e singular aquele que tem para propor.
Uma amálgama sonora onde são perceptíveis traços de electro, hip-hop, house, rock, R&B, dancehall ou dubstep, mas onde a intensidade emocional de cada uma das faixas acaba por fazer esquecer paralelos com referências do passado ou do presente, sejam elas os Suicide dos anos 1980 ou os recentes Death Grips.
Na feitura dessa música descarnada, de contornos obsessivos, assente em pulsões electrónicas e ímpetos vocais viscerais, contou com uma série de colaborações, entre vozes (Bon Iver, Frank Ocean ou Chief Keef) e produtores (Rick Rubin, Daft Punk, Hudson Mohawke, RZA, Arca, Evian Christ). As letras não são o seu forte, mas desta vez há alusões sexuais, raciais e políticas, algumas vezes de uma forma directa, como poucas vezes escutáramos antes.
É nitidamente um álbum: obra diversa na homogeneidade. Canções como On sight, Black skinhead ou I am a god expõem a faceta mais virulenta, electrónica contorcida sobre si própria e balanço rítmico tribalista a acolherem uma vocalização bélica. Em Hold my liquor uma elegante base sonora próxima do house irrompe, enquanto Blood on the leaves, com sample vocal de Nina Simone, é o tema que se aproxima mais de temas do passado, numa linha onde a soul se encontra com o hip-hop.
Guild trip não se situa muito longe do R&B contemporâneo, na linha The Weeknd, com um produção minimalista a libertar quaisquer hipóteses de sacarina em excesso, enquanto New slaves, com ajuda vocal de Frank Ocean, parece conter uma base electrónica tóxica conspirada por Aphex Twin há anos atrás.
É mais um álbum onde volta a arriscar em grande. Gerará paixões e ódios em dimensões iguais. A verdade é esta: no centro do mercado para as grandes massas onde ele se insere não existe ninguém neste momento que seja capaz de movimentos tão audaciosos. Kanye West gosta do gesto largo e acabou de lançar mais um magnífico álbum. Não é perfeito, mas quem o é?