Mais de 10,5 milhões de crianças são forçadas ao trabalho doméstico

No Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, a OIT revela que existem milhões de crianças entre os cinco e os 17 anos a trabalhar sob condições perigosas e regime de escravatura.

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Farshad USYAN/AFP

Estes dados fazem parte de um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado esta quarta-feira, quando se assinala o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil.

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Estes dados fazem parte de um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado esta quarta-feira, quando se assinala o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil.

“Ter de lavar pratos até horas tardias deixa-me triste e sinto terrivelmente falta da minha família. Torna-se muito complicado durante os invernos quando os meus dedos incham com o frio”. O testemunho é de Shyam, um rapaz de 14 anos, trabalhador doméstico no Nepal, e é um dos citados num relatório divulgado pela OIT.

Também Neema, agora com 16 anos, conta que com 12 anos deixou a escola onde andava na Tanzânia para trabalhar na casa de um casal com três filhos, “sete dias por semana, das 7h às 22h, sem intervalos”. “A mulher estava sempre a bater-me e a insultar-me”, revela a jovem. Com nove anos, Isoka foi levada da sua aldeia no Benim por um amigo do pai para a Costa do Marfim. “Aí trabalhava a vender água e doces. Durante três anos comi apenas papas de milho”.

Os casos de Shyam, Neema e Isoka são o exemplo de milhões de crianças que “estão muitas vezes isoladas, a trabalhar longe da família, e em total dependência do agregado para o qual trabalham”, sob abusos físicos, incluindo em alguns casos sexuais e escravatura, e psicológicos. Segundo dados de 2008, os mais recentes avançados pela OIT, das mais de 305,6 milhões de crianças que trabalham no mundo, 91 milhões têm entre cinco e 11 anos, sendo que mais de 3,5 milhões destas fazem trabalho doméstico (1,4 milhões são rapazes e mais de dois milhões de raparigas).

A trabalhar sob condições perigosas ou com consequências nocivas para a saúde físca e mental da criança (aqui a OIT dá como exemplo o trabalho nocturno e a exposição a abusos físicos ou sexuais) estavam 8,1 milhões de menores entre os cinco e 17 anos, sendo que um quarto dos que executam tarefas perigosas têm menos de 12 anos. As meninas são a maioria das crianças que desempenham trabalho doméstico perigoso, 5,8 milhões, mais do dobro dos 2,3 milhões de rapazes indicados no relatório.

Estas crianças desempenham tarefas como cozinhar, limpar, engomar, fazer jardinagem, recolher combustível, água, alimentos, o que as coloca sob uma série de perigos e abusos físicos e psicológicos. A OIT alerta que muitos destes menores estão sujeitos à exaustão, fome, depressão, desordens comportamentais, tendências suicidas, e ferimentos, com o isolamento social a que são submetidas a elevar o risco de disturbações psicológicas e a impedir um normal desenvolvimento social e intelectual.

“Estas crianças estão longe das suas famílias, estão isoladas, e estão em estado de grande dependência”, sublinha em declarações à AFP Constance Thomas, directora do pograma da OIT para a abolição do trabalho infantil. Constance Thomas denuncia que se tratam de menores “que trabalham muitas horas, sem qualquer liberdade pessoal” e que alimentam um “trabalho muitas vezes ilegal”.

A OIT realça que o trabalho doméstico infantil “está presente em todas as regiões do mundo”. Constance Thomas indica que é mais significativo em países africanos, como Burkina Faso, Costa do Marfim, Gana e Mali. Já em países como o Paquistão e o Nepal as crianças são utilizadas para pagar as dívidas das  famílias em troca de trabalho doméstico. Há ainda referência às milhares de crianças que são levadas da Etiópia para trabalharem no Médio Oriente. Na África subsariana, por exemplo, muitas crianças encontradas em trabalhos domésticos não têm qualquer familiar vivo ou apenas têm um parente próximo.

A maioria das crianças submetidas a trabalho doméstico pertence a famílias pobres mas a OIT sublinha que há outros factores na sua origem, como “a discriminação de género e étnia, exclusão social, ausência de oportunidades educativas, violência doméstica, fuga a um casamento forçado, migração das zonas rurais para urbanas ou a perda de familiares próximos, como resultado de um conflito ou doença”.

No Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, a OIT apela a reformas legislativas e políticas que garantam a eliminação do trabalho infantil no trabalho doméstico e a “criação de condições de trabalho dignas e de protecção adequada para os(as) jovens trabalhadores(as) domésticos(as) que tenham atingido a idade mínima de admissão ao emprego”. Fica ainda o pedido à ratificação pelos Estados membros da OIT da convenção sobre o trabalho digno para trabalhadoras e trabalhadores domésticos e à sua aplicação com as convenções da OIT sobre o trabalho infantil.