Exposição dos 450 anos da Lírica de Camões revela duas versões da mesma ode
“A grande revelação desta exposição é que mostra duas impressões feitas em Goa, do mesmo ano e do mesmo impressor, de ‘Coloquios dos simples’, de Garcia de Orta, em que há duas versões diferentes da ode de Camões”, disse à Lusa Alves Dias, que fez a investigação e organizou a exposição que estará patente a partir de segunda-feira, na sala de referência da Biblioteca Nacional, em Lisboa.
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“A grande revelação desta exposição é que mostra duas impressões feitas em Goa, do mesmo ano e do mesmo impressor, de ‘Coloquios dos simples’, de Garcia de Orta, em que há duas versões diferentes da ode de Camões”, disse à Lusa Alves Dias, que fez a investigação e organizou a exposição que estará patente a partir de segunda-feira, na sala de referência da Biblioteca Nacional, em Lisboa.
“Identifiquei duas edições ou impressões dos Colóquios de Garcia de Orta, a A e B, feitas no mesmo tipo de material que não existe em Lisboa e só em Goa, ambas do mesmo ano e do mesmo tipógrafo, o alemão Johann de Enden, que havia pouco tempo instalara o seu prelo na Índia portuguesa”, explicou o historiador.
Entre as duas edições, Alves Dias assinalou algumas diferenças, nomeadamente erros que, numa edição, existem e na outra foram corrigidos, levando-o a considerar como “2.ª edição ou edição B”, aquela em que não são notados os erros.
A ode, pedindo a protecção para um livro de um amigo, é o primeiro poema de Luís de Camões que foi publicado, e “integra o conjunto de paratextos dos ‘Coloquios dos simples, e drogas he cousas medicinais da India’, de Garcia de Orta”.
“Como no século XVI os livros eram publicados em folhas soltas e não encadernados, fez com que, ao longo dos tempos, se fossem misturando folhas de uma e de outra edição, e daí ninguém ter dado conta destas alterações”, disse o historiador que, desde Janeiro, estudou minuciosamente 22 das 25 edições conhecidas dos “Coloquios”, de Garcia de Resende.
A 1.ª versão “tem muitas gralhas” e “há, na segunda edição, muitas coisas que foram recompostas”, disse Alves Dias que rematou: “Entre uma e outra há textos corrigidos e outros rescritos”.
No tocante à ode camoniana, Alves Dias afirmou que, de uma para outra edição, “modifica-se muito a grafia e a pontuação, mas apenas uma palavra é alterada e com ela o sentido”.
A alteração das palavras é “malícia” por “melícia”, “mas ambas podem fazer sentido, porque se fala de um deus guerreiro que curava e que era chefe de guerra, ora era perito em melícia como militar, e em malícia no sentido de curar o mal”, explicou o historiador.
“A segunda versão diz ‘malícia’ e a primeira ‘melícia’, e isto nunca foi visto até hoje”, disse o historiador.
Na Biblioteca Nacional estarão expostos estes dois exemplares do século XVI, assim como “toda a Lírica de Camões publicada até 1688, as denominadas ‘Rimas’”.
O historiador explicou à Lusa que a primeira versão impressa de uma composição lírica de Luís de Camões esteve afastada do conhecimento comum até à segunda metade do século XIX.
A “Ode ao Conde de Redondo”, que surgiu pela primeira vez nos paratextos do “Coloquio dos simples”, passou a integrar a lírica de Camões, a partir da segunda edição das “Rimas”, impressa em 1598, mas “copiada de uma versão manuscrita que se afastava, em alguns versos, da versão original”. Nas edições seguintes, a ode continuou a ser reproduzida com variantes.
Das diferentes edições da lírica publicada, Alves Dias encontrou várias alterações nas diferentes edições, estando sete delas dadas como desaparecidas.
Durante a vida de Luís de Camões (1524-1580) só foram divulgados o poema épico “Os Lusíadas” e três poemas líricos: a ode, uma elegia e um soneto, ambos publicados na “Historia da prouincia sancta Cruz”, de Pero de Magalhães de Gândavo, impressa em Lisboa, em 1576.