O que é que os alunos de 20 valores têm para ensinar aos outros?
Há um ano, o PÚBLICO pediu a alguns estudantes que confessassem o segredo do seu sucesso.
Inês Maia, 20 a Português
"Dormia sempre as minhas oito horinhas por dia"
Não tem aspecto de ser um ratinho de biblioteca. Se dúvidas houvesse, a página de Inês Maia no Facebook comprova que a sua vida social está bem e recomenda-se. Canta, vai à praia e, mais do que isso, em 2011, no mesmo ano em que se destacou por ter tido a melhor nota no exame de Português do 12.º ano, lançou um livro de ficção, Desafio Celestial (Editorial Presença).
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Inês Maia, 20 a Português
"Dormia sempre as minhas oito horinhas por dia"
Não tem aspecto de ser um ratinho de biblioteca. Se dúvidas houvesse, a página de Inês Maia no Facebook comprova que a sua vida social está bem e recomenda-se. Canta, vai à praia e, mais do que isso, em 2011, no mesmo ano em que se destacou por ter tido a melhor nota no exame de Português do 12.º ano, lançou um livro de ficção, Desafio Celestial (Editorial Presença).
Nenhuma das suas actividades a impediu de ser boa aluna porque o segredo, adianta, não é estudar horas a fio. "O essencial é estarmos atentos nas aulas." Quem já não for a tempo, pode, mesmo assim, socorrer-se de alguns truques.
"No que toca à gramática, é preciso decorar algumas regras, para chegarmos ao exame e não haver dúvida possível; no resto, não aconselho nada: o objectivo é mesmo compreender o que se lê sem pretensões de copiar e colar no exame aquilo que se ouviu nas aulas ou se leu nos manuais", debita esta rapariga de 19 anos, agora estudante na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Postas de parte as mnemónicas e truques afins, Inês Maia sustenta que outro dos segredos é manter uma atitude positiva relativamente ao que se está a estudar. "Se pensarmos que aquilo até pode ter um lado divertido e interessante, torna-se muito mais fácil. Quando tinha uma parte da matéria de que gostava menos e me sentia mais negativa, custava-me sempre mais decorar e perceber." Mesmo nas alturas dos exames, Inês nunca alinhou em directas nem em estimulantes. "Dormia sempre as minhas oito horinhas por dia. E nunca fui de sair à noite, o que fazia era pôr a televisão de lado e pôr o computador de lado, mas tudo isto sem exageros, para não entrar em depressão profunda." Em período de exames, as horas das refeições mantiveram-se sagradas e o único desvio à norma eram os chocolates ingeridos aqui e ali, "para aguentar mais duas horas de estudo".
Minutos antes de ter o enunciado na mão, Inês desligava. "Ficava uns minutos em meditação. Entrava na sala, não falava com ninguém nem ouvia o que as pessoas estavam a dizer para não aumentar a ansiedade e não pensava na matéria." E, na dúvida sobre a resposta correcta, Inês diz que aprendeu da pior maneira que, em regra, a primeira resposta, a que saiu de modo mais intuitivo, é a acertada.
"Não vale a pena aproveitar-se a tolerância de 30 minutos para mudar tudo aquilo que estava certo." Está feito o aviso.
Joana Dias, 20 a Matemática
Muita planificação e um quadradinho de chocolate
Directas, café e exercícios até ao último minuto? Para Joana Dias, de 18 anos, os exames nacionais do ano passado foram tudo menos isso. Preferiu trocar esta fórmula por um planeamento ao pormenor das provas finais do 12.º ano. Joana, então aluna do Externato Marista de Lisboa, foi a exame de Matemática com uma classificação interna de 20 valores que queria manter. Conseguiu. Na pauta final, a repetição do 20 colocou-a entre os melhores alunos do país numa disciplina que continua a ser o calcanhar de Aquiles de muitos.
Joana, agora a terminar o primeiro ano de Medicina na Universidade Nova de Lisboa, defende que "as aulas são muito importantes" e aconselha a não menosprezar os trabalhos de casa. Começava por perceber a parte da matéria mais básica e só então avançava para exercícios complexos.
"Estudava sempre no mesmo sítio. Se quisesse descansar, comer ou fazer outra coisa qualquer, então ia para outro sítio." Organização e planeamento foram a chave. Tinha vários livros de exercícios, depois "fazia apontamentos escritos como se fosse o meu próprio livro de fórmulas", explica. Estudar em voz alta e utilizar um quadro onde podia apagar e recomeçar foram outros truques. Joana aconselha que o estudo seja muito semelhante ao exame: "Numa fase em que já se sabe toda a matéria teórica, é só ter à frente o exercício." Diz que um calendário ajuda muito.
"Fazia um plano de estudos para cada dia." Quanto a decorar, preferia perceber as fórmulas.
E foi assim que conseguiu evitar noitadas. "Não bebia café até chegar à faculdade e mesmo agora quase nunca bebo." Quanto à alimentação, fazia as refeições normais e tentava comer mais fruta e beber água para compensar o estudo em voz alta. Em períodos mais exigentes, recorreu a suplementos vitamínicos. Garante que sobrou tempo para os amigos: "O estudo é tão intenso que, se não existirem formas de desanuviarmos e de limpar a mente, é impossível mantermo-nos concentrados".
Quanto a superstições, só não abdicava de um quadradinho de chocolate antes de cada prova. "Nunca estudei consumida pela vontade de ter um 20." Joana lembra que o exame é apenas um dia: "É respirar fundo e entrar, porque o que podia ser feito já foi feito. É muito importante controlar a ansiedade, porque existe uma diferença entre o que um aluno sabe e o que o aluno demonstra em tempo de exame".
Leonor Santos, 20 a História
Saber é tratar a matéria por tu (de preferência em voz alta)
Quem não se aplicou ao longo do ano fará melhor em ficar longe de Leonor Santos, se quiser entrar na sala de exame com uma réstia de esperança.
Com ela, não há paninhos quentes: a quem estuda por obrigação, diz que mais vale não o fazer; aos que são preguiçosos, sugere que mudem de hábitos; e nem a uns nem a outros serve um pingo de alento.
Parece severa - e é. Mas só nas palavras. Leonor, agora a acabar o primeiro ano de Jornalismo, diz isto tudo com um sorriso malandro no rosto de menina - "Já tem 19 anos? Não pode ser!" - e com um desembaraço alegre na voz, que é próprio de quem se sabe com jeito para enfrentar as câmaras, se um dia vier a trabalhar na TV.
É mesmo assim, focada no que está a enfrentar; e também é metódica e aplicada - a isso não se pode chamar um truque. Pode? Vamos ao melhor exemplo. Há que saber História? Pois, então, um manual não chega.
Se um explica umas coisas, outro fala de outras. E depois há os apontamentos das aulas e os textos que a professora entregou e mais uma ou outra informação da Net. Tudo lido, cruzado, pensado, assimilado e finalmente vertido num caderno, que passa a ser o único material de trabalho. Fez isto tema a tema, com os quais ia criando intimidade até que, nas vésperas dos testes, já só faltava tratar a matéria por tu. Literalmente.
Diz, depois de pensar bem, que essa é a coisa mais estranha que faz: estudar em voz alta. Fala muito, fechada no quarto, sozinha e sempre depois de uma noite bem dormida e a horas decentes (durante a manhã e ao fim da tarde), o que dispensa vitaminas e estimulantes, mas exige vários litros de água e muito gosto pelo que está a aprender.
No dia do exame, basta-lhe ouvir-se de novo. Mal lhe entregam a prova, lê o enunciado de fio a pavio. Com a cabeça ainda fresca, segue o que a voz lhe dita, rabiscando na folha de rascunho o que não pode escapar na resposta. E, assim, quando chega ao fim da primeira leitura, o mais difícil está feito: "A seguir, é só escrever".
Parece aborrecido? Leonor garante que não é. Gosta de estudar e sempre lhe sobrou tempo para tudo.
Reconhece, ainda assim, que ter crescido na pacata cidade de Oliveira do Hospital foi uma vantagem. Agora, em Coimbra, o desafio é maior - na Queima das Fitas, por exemplo, já se estreou nas directas que nunca fez a estudar. Mas nada que a demova da ideia de que "há tempo para tudo".
"Basta querer, não é?"
Ana Marta Nunes, 20 a Biologia
"O mais importante é estar com atenção nas aulas"
Ana Marta Nunes não gosta de sair à noite e não bebe café nem álcool. De quando em vez, vai ao cinema, mas os tempos livres desta aluna de Faro à beira de fazer 18 anos são sobretudo passados ao computador, ligada ao mundo das redes sociais, onde já aprendeu a falar japonês.
Ana considera-se uma rapariga "normal" e ela, que no ano passado teve 20 a Biologia no exame nacional do 11.º, até tem uma receita aparentemente simples para o sucesso escolar: "O mais importante é estar interessada e com atenção nas aulas". É essa a regra que tem seguido desde sempre e a verdade é que nunca se deu mal, porque quando a pessoa estuda só para o teste, o mais provável é que se "esqueça pouco tempo depois".
Teve de se aplicar a fundo a Biologia, uma disciplina "mais chata" e que lhe exigiu mais esforço, onde o que conta "não é tanto o raciocínio mas mais a informação". Já a Inglês ou a Português quase não teve de estudar para tirar a nota máxima também a estas duas disciplinas.
A quem lhe pedir conselhos para ser bom aluno, Ana não hesita: "Estudar para saber e não estudar só para o teste e esquecer a seguir". O seu estudo é metódico e obedece a regras, diz, mas isso não significa que passe a vida agarrada aos livros. E nem sequer precisa de outros truques mais ou menos sofisticados para exercitar os neurónios.
Por regra, estuda ao final da tarde e a seguir liga-se ao mundo através do computador, onde procura outros jovens para "saber mais sobre a cultura de outros países". A animação japonesa (Anime) é uma paixão. "Até já aprendi a falar japonês, pequenos diálogos." A outra é o básquete, que joga nos tempos livres e em que o pai é um "adversário a ter em conta".
O seu futuro imediato passa por seguir Engenharia Física Tecnológica no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, ou Engenharia Informática no Porto. Mas o seu sonho mesmo é ser investigadora no maior laboratório de física de partículas do mundo - o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN), na Suíça - e, para isso, está já a preparar a candidatura a uma bolsa de estudo. O "bichinho" tocou-lhe quando a Universidade do Algarve, no âmbito de uma iniciativa destinada aos três melhores alunos de Física do 10.º ano, lhe proporcionou uma conversa por videoconferência com cientistas do CERN. "Foi mesmo muito bom."
Este texto foi publicado no PÚBLICO de 10 de Junho de 2012