Enchente e celebração geracional com os Blur

O Parque da Cidade recebeu um mar de gente para uma apoteose geracional chamada Blur, que levou Damon Albarn, portugueses, espanhóis e ingleses a cantarem todos juntos. Grizzly Bear, Melody’s Echo Chamber ou Swans foram outros dos concertos da noite.

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O caso dos ingleses Blur é diferente. Não são o tipo de grupo que tenha criado descendência relevante (até porque aquilo que fizeram nos anos 1990 já vinha muito rotulado pela memória da pop inglesa dos anos 1960), nem marcado as dinâmicas da música popular do ponto de vista estético. Mas têm canções, daquelas que com o passar dos anos se transformaram em hinos da geração que os ouvia. 

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O caso dos ingleses Blur é diferente. Não são o tipo de grupo que tenha criado descendência relevante (até porque aquilo que fizeram nos anos 1990 já vinha muito rotulado pela memória da pop inglesa dos anos 1960), nem marcado as dinâmicas da música popular do ponto de vista estético. Mas têm canções, daquelas que com o passar dos anos se transformaram em hinos da geração que os ouvia. 

Foi por isso uma espécie de êxtase geracional que se viveu na sext-feira à noite no Parque da Cidade, com uma multidão – a maior enchente do festival até agora – a cantar em coro quase todas as canções, festejando o regresso do grupo de Damon Albarn a Portugal, muitos anos depois.

Foi um concerto eficaz. Uma exibição de êxitos que levou a multidão ao paraíso da brit-pop dos anos 1990. Começaram arrebatadores (Girls & boys, Popscene e There’s no other way), agarrando o público, e depois fizeram o que quiseram, com muita a gente a gritar as canções – e com muitos ingleses a celebrarem o seu regresso aos palcos como se estivesse a entoar cânticos num estádio de futebol.

O quarteto inglês, coadjuvado por secção de metais e coro, geriu bem o concerto, com a guitarra de Graham Coxon a evidenciar-se em muitos momentos, mas com todas as atenções concentradas na voz e nas movimentações de Damon Albarn, que foi carismático e enérgico o quanto baste em palco, tecendo até considerações sobre a relação com o mar dos portugueses, antes de avançar para a interpretação de This is a low. Às tantas desceu até ao público e foi-lhe oferecida uma coroa de flores que colocou na cabeça e não mais tiraria.

Depois de uma hora de concerto (com passagens por Beetlebum, Parklife ou End of a century) regressariam para uma encore de quatro temas, com Alex James (baixo) e Rowntree (bateria) a desenharem a estrutura rítmica das canções de forma certeira, enquanto Damon Albarn, sentado ao piano, ou correndo pelo palco, acendia os ânimos da plateia a perder de vista. Esta, por sua vez, retribuiu em muitas alturas, ficando a entoar as canções em uníssono. O final deu-se com Song 2, com toda a gente em delírio, na maior celebração colectiva que o festival certamente conhecerá.

Ao contrário do primeiro dia (quando só funcionaram dois palcos), na sexta já era necessário que cada espectador criasse o seu próprio roteiro, escolhendo entre quatro locais diferenciados. Havia por onde optar, muita diversidade, mas dentro da hegemonia do rock mais alternativo. Não se viram maus concertos, mas reinou a mediania.

Exemplo disso foram os Local Natives, que actuaram horas antes dos Blur no mesmo palco Optimus. Têm um entendimento quase perfeito das diferentes cambiantes rock e folk que fazem a actualidade, mas não apresentam nada de significativamente personalizado ou diferente que os distinga das inúmeras bandas que existem por aí.

Melhor foram os americanos Grizzly Bear: músicos dotados, trabalho vocal a roçar a perfeição, complexidade estrutural das canções bem exposta em palco, o que não é fácil, e o grupo revela uma simpatia autêntica na relação com o público. Faltou-lhe talvez um suplemento de alma que conduzisse canções como Two weeks, A simple answer ou Sun in your eyes para um outro patamar emocional.

No palco ao lado (Super Bock) a expectativa era os veteranos Swans. Não desiludiram: aquele muro sonoro ruidoso, rock metalizado como se fosse jazz liberto de qualquer restrição, interpretado por músicos de eleição e pela voz cavernosa de Michael Gira, continua a violentar ouvidos menos experimentados e a seduzir os que gostam de experiências limite com rock lá dentro. Mas também é verdade que o grupo já não nos projecta para outras paragens. São exactamente o que se espera que sejam. Intransigentes na defesa de uma música transgressora e intensa. E nisso continuam imparáveis.

O mesmo se poderia aplicar aos portugueses Mão Morta, também eles de alguma forma discípulos dos Swans, que desafortunadamente acabaram por actuar à mesma hora no palco ATP.  Do que vimos ficou a ideia de que a comunhão entre palco e plateia aconteceu mesmo.

No meio de desconstruções do rock que não tiveram grande efeito em palco – menos os Shellac, mais os Meat Puppets – soube bem ouvir a electrónica dinâmica e levemente psicadélica do inglês Four Tet que colocou toda a gente a dançar no palco Super Bock.

No palco-tenda da publicação Pitchfork fizeram-se ouvir algumas das sonoridades mais refrescantes da noite. Foi o caso do frenesim pop que fica algo a dever aos dinamismos rítmicos do rock alemão dos anos 1970 do duo Svper, a visceralidade rock dos Metz ou a pop sonhadora dos Melody’s Echo Chamber da cantora francesa Prochet.

Estes últimos começaram mornos, mas depois viriam a conquistar a assistência – “a maior que alguma vez tivemos”, lançou a cantora – com uma pop psicadélica levemente nostálgica, mas que é capaz de impor também momentos de festiva intensidade eléctrica. E festa foi o que não faltou com os americanos Glass Candy, com os teclados de Johnny Jewel (também dos Chromatics) e a voz e presença teatral de Ida No a fazerem-nos viajar por canções electrónicas retro-futuristas.

A meio da viagem a loira Ida No mergulhou sobre o público e este elevou-a em braços. Não chegou exactamente para fazer esquecer os concertos de Beach House, Chairlift ou  Weeknd o ano passado, naquele mesmo espaço, mas estiveram perto. Neste sábado, o festival encerra com My Bloody Valentine, Liars, Savages, Paus e Daughn Gibson.