Estudo: Portugal não está livre de precisar de mais apoio no pós-troika

Investigadores do think tank Bruegel admitem dificuldades no regresso de Portugal aos mercados. A economia, alertam, continua estruturalmente frágil.

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A missão da troika foi demasiado optimista nas previsões, dizem os economistas do Bruegel Enric Vives-Rubio

No estudo EU-IMF assistance to euro-area countries: an early assessment (“A ajuda da UE-FMI aos países da zona euro: uma primeira avaliação”, numa tradução livre), publicado nesta quinta-feira, os investigadores fazem uma análise aos planos de intervenção externa em Portugal, na Grécia e na Irlanda.

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No estudo EU-IMF assistance to euro-area countries: an early assessment (“A ajuda da UE-FMI aos países da zona euro: uma primeira avaliação”, numa tradução livre), publicado nesta quinta-feira, os investigadores fazem uma análise aos planos de intervenção externa em Portugal, na Grécia e na Irlanda.

O documento é assinado pelo francês Jean Pisani-Ferry, pelo belga André Sapir e pelo alemão Guntram Wolff, três economistas que se têm debruçado sobre o papel e a actuação das instituições europeias e do FMI na  vigilância das políticas económicas e financeiras na zona euro.

Os autores acreditam que Portugal vai terminar o plano da troika em 2014, como previsto, e que a zona euro vai apoiar o país no regresso aos mercados financeiros. Mas o caminho que traçam é cinzento: a conclusão do memorando de entendimento não significa “o fim dos problemas” e, em caso de dificuldades, Portugal pode precisar de uma ajuda cautelar.

Na mira poderá estar um programa de assistência financeira preventiva através do fundo de socorro permanente dos países em dificuldades (o Mecanismo Europeu de Estabilidade), como contrapartida para Portugal aceder ao programa de compra ilimitada de dívida (no mercado secundário) do Banco Central Europeu (BCE), referem.

Este foi, de resto, um cenário já colocado em cima da mesa pelo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que falou recentemente nesta hipótese para um “período de transição”. Não como um “programa de assistência financeira” idêntico ao actual, mas como um “mecanismo de seguro, com uma linha de crédito de reserva associada, que pode ser utilizada para superar perturbações temporárias no financiamento de mercado”, referiu Carlos Costa.

No estudo do grupo de reflexão sedeado em Bruxelas, autores apontam erros e virtudes aos três planos de ajustamento, mas ressalvam que é preciso não confundir, por exemplo, falhanços de previsões com um falhanço dos próprios programas. É o que acreditam ser o caso de Portugal, cujo plano de ajustamento, defendem, pode vir a ser considerado bem sucedido, “apesar de a economia portuguesa permanecer estruturalmente débil e frágil contra choques” externos.

O tema surge dias antes de o período “pós-troika” ser debatido em Conselho de Estado, que o Presidente da República convocou para a próxima segunda-feira, com o tema: “Perspectivas da Economia Portuguesa no Pós-Troika, no Quadro de Uma União Económica e Monetária Efectiva e Aprofundada.”

Crítica ao “optimismo” da troika
Jean Pisani-Ferry, André Sapir e Guntram Wolff, este último director do think tank, dizem que a troika foi demasiado optimista nas projecções económicas para Portugal.

Para os autores, esse optimismo foi mais flagrante quando em 2011 (e ao longo dos dois anos de resgate já percorridos) não previram uma contracção tão forte da economia e um aumento tão grande do desemprego. E criticam o facto de a missão do BCE, da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional não ter colocado ênfase num motor fundamental da actividade económica, o investimento – uma crítica que tem, aliás, animado o debate em Portugal em torno da intervenção da troika.

Para a análise do caso português, os economistas partiram de três perguntas: foi o programa bem concebido para Portugal recuperar a confiança internacional e voltar a financiar-se nos mercados financeiros ao fim de três anos de programa? Nos dois anos de ajustamento já percorridos, o plano continua no “bom caminho” e está a ser bem executado? Será o Estado capaz de regressar ao mercado para se financiar em condições sustentáveis?

No estudo defende-se, ainda assim, que o ponto de partida de análise do programa foi bem identificado, porque a troika detectou claramente “a natureza do problema [estrutural económico] de Portugal”. Por outras palavras: acertou no diagnóstico, mas a receita não foi totalmente a correcta, sustentam.

As projecções falharam em toda a linha. A recessão foi mais forte em 2012, a economia não vai crescer este ano e as previsões para 2014 são bem mais modestas. A taxa de desemprego disparou mais (estará muito acima dos 13,3% que então a troika projectava para este ano, prevendo-se que chegue aos 19% no final do ano). As metas do défice foram sucessivamente revistas (o objectivo para 2013 era então de 3% do PIB, o actual é de 5,5%). A dívida pública aumentou mais e não vai começar a descer no próximo ano, como se previa, mas antes deverá subir para 124,3%, contra 115% apontados há dois anos.

Do lado positivo, notam os economistas, o défice externo está a ser corrigido mais rapidamente do que o previsto, devendo este ano baixar para 1,4% do PIB.

Os economistas referem que, “depois de vários meses de hesitação”, e com o acesso aos mercados fechado, virtualmente sem se poder financiar, Portugal não “teve outra escolha” senão pedir um resgate financeiro internacional, em Abril de 2011.