Curadora encerra exposição em conflito com equipa de produção da Porto Lazer
A exposição, que envolvia 15 artistas, integrava-se no projecto 1.ª Avenida, recentemente inaugurado no chamado edifício AXA, um imóvel de sete andares, no centro do Porto, que beneficiou de um projecto de requalificação financiado por verbas comunitárias.
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A exposição, que envolvia 15 artistas, integrava-se no projecto 1.ª Avenida, recentemente inaugurado no chamado edifício AXA, um imóvel de sete andares, no centro do Porto, que beneficiou de um projecto de requalificação financiado por verbas comunitárias.
Envolvendo instituições como Serralves, a Academia Contemporânea do Espectáculo ou o Balleteatro, o 1.ª Avenida tem como director artístico José Maia, estando a gestão do espaço e a articulação com os vários parceiros a cargo da Porto Lazer. Inaugurado há menos de um mês, a 19 de Abril, o projecto já vai na sua segunda polémica, depois de o artista plástico Paulo Mendes ter retirado a sua exposição Portugal Meteorológico. Uma das peças, intitulada Portuguesa Monochrome, era uma grande bandeira portuguesa a preto e branco colocada na fachada do edifício, objecto que a Porto Lazer não queria que se mantivesse no exterior até ao final da exposição, tendo proposto a Paulo Mendes que, passada a primeira semana, a transferisse para o interior, hipótese que o artista recusou.
Se o conteúdo assumidamente crítico e político da peça torna admissível discutir-se se a tentativa de a retirar configurou, ou não, um acto de censura, já os factos que levaram à decisão de Raquel Guerra parecem ser de uma órbita mais técnica. A “gota de água”, diz a curadora, foi a constatação de que a produção desmontara uma peça da artista Cristina Regadas – ou, mais exactamente, o plasma onde esta era exibida – sem a ter informado de nada. “Quando vi que tinham retirado o plasma, telefonei ao produtor executivo, João Lopes, que me explicou que o plasma era emprestado e tinha sido pedido de volta, e que não podiam prever quando seria possível substituí-lo”.
Mas os problemas tinham começado ainda na fase de montagem. “A exposição recorria muito aos novos media e pedimos os equipamentos necessários com semanas de antecedência”, diz Raquel Guerra, esclarecendo que estes “só chegaram no dia da inauguração e já não foi possível usá-los”.
Se foi “com tristeza” que se decidiu a fechar a exposição – “sou curadora e a ideia é fazer exposições, não desfazê-las –, Raquel Guerra também diz que lamenta agora não ter tomado essa decisão mais cedo. “Fui ingénua e achei que esta era uma oportunidade de a Câmara do Porto se reconciliar com os artistas da cidade, mas nada mudou: o divórcio com a cultura mantém-se e o respeito pelos artistas continua a ser nenhum”.
Embora assuma que a decisão foi apenas sua, a curadora diz ter já recebido mensagens de apoio de todos os artistas envolvidos. Alguns deles enviaram mesmo aos jornais um comunicado em que se declaram solidários com a opção de Raquel Guerra, criticam a desmontagem da peça de Cristina Regadas, e manifestam ainda “repulsa” por “todo o processo em torno da obra Portuguesa Monochrome, do artista Paulo Mendes”. No final, os signatários – ou signatárias, se exceptuarmos Tiago Afonso, presente na exposição enquanto co-autor de uma peça com Amarante Abramovici – afirmam a sua “recusa absoluta em coabitar no edifício AXA com a sede de campanha da candidatura autárquica de Rui Moreira”. A candidatura ocupa um espaço no rés-do-chão, com entrada autónoma, que pertence a um privado e já foi usada como sede pela campanha presidencial de Cavaco Silva e pela campanha autárquica de Rui Rio. Neste ponto, Raquel Guerra, embora também assuma o seu “desconforto” pela vizinhança de uma sede de campanha – “esta ou qualquer outra” –, lembra que o espaço em causa “não está no interior do edifício AXA”.
Num esclarecimento escrito que fez chegar ao PÚBLICO, a Porto Lazer afirma que o comunicado dos artistas “inclui argumentos descontextualizados do espírito do edifício AXA, sede do projecto 1ª Avenida, e não sede de qualquer candidatura autárquica”, mas parece aceitar outras razões de queixa. “Partindo do pressuposto que se possam ter verificado factos que tenham afectado o trabalho artístico desenvolvido por alguns dos autores dos projectos artísticos e residências artísticas”, diz a nota, “a Porto Lazer está a estudar acertos na equipa afecta ao projecto com responsabilidades de programação e de produção”.
A referência não apenas à produção, mas também à programação, parece indicar que o responsável da produção poderá ser afastado das funções que neste momento desempenha, mas também sugere que também o lugar de José Maia poderá estar em causa, uma consequência que nem a curadora nem os artistas desejariam. O comunicado destes últimos termina afirmando que já antes tinham ponderado abandonar o projecto e que só adiaram a decisão “por consideração pelo projecto desenvolvido pelo curador e responsável artístico José Maia, cujo empenho nos inspirou a confiança necessária para integrar o 1ª Avenida”. E Raquel Guerra garante que só se dispôs a comissariar a exposição agora prematuramente encerrada por saber que a direcção artística do projecto estava confiada “a uma pessoa com o conhecimento e o rigor de José Maia”.