Carismático mas por vezes estranho, Ariel Castro parecia levar uma vida normal
O suspeito "número um" do rapto de três mulheres mantidas cativas durante dez anos em Cleveland, EUA, teve durante vários anos um emprego, gostava de música e convivia com os vizinhos.
Nesse dia, saiu de casa à tarde, sem saber que, no regresso, seria preso por suspeita de rapto e violação. Sem saber que, durante a sua ausência, Amanda Berry pediria ajuda a um vizinho, fugiria da casa e chamaria a polícia para resgatar as outras duas – Gina De Jesus e Michelle Knight raptadas separadamente mas como ela – e uma criança de seis anos que será filha de uma delas.
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Nesse dia, saiu de casa à tarde, sem saber que, no regresso, seria preso por suspeita de rapto e violação. Sem saber que, durante a sua ausência, Amanda Berry pediria ajuda a um vizinho, fugiria da casa e chamaria a polícia para resgatar as outras duas – Gina De Jesus e Michelle Knight raptadas separadamente mas como ela – e uma criança de seis anos que será filha de uma delas.
Nada ainda explica por que terá Amanda Berry fugido agora, e não antes. Ariel Castro não vivia fechado na casa que comprou em 1992, quando tinha 32 anos. Entrava e saía com frequência e aparentava seguir uma vida normal. Teve um emprego até 2012 – condutor de autocarro numa escola pública de Cleveland – e, fora dele, era instrumentista: tocava baixo.
Teria ele, de há muito tempo, “fantasias de capturar, controlar, abusar e dominar mulheres”, como é característico no retrato-tipo dos autores destes crimes, traçado pelo psicólogo forense Kris Mohandie?
Estes homens, disse Mohandie ao The New York Times, recorrem a um sistema perverso de recompensas e punições para criar submissão e medo nas vítimas. E estas rapidamente perdem um sentido de si mesmas e tornam-se dependentes dos seus captores. “O controlo total sobre outro ser humano é o que os estimula”, resumiu o especialista.
Hoje com 52 anos, Ariel Castro é bem conhecido dos vizinhos da Seymour Avenue. Acenava-lhes de longe ou convivia com eles na rua. Cruzava conversas do seu alpendre. E convidava alguns para churrascos no quintal, contou Charles Ramsey, que se destacou da multidão por ser aquele que respondeu ao pedido de socorro de Amanda Berry e que a ajudou a sair da casa. “Ele é uma daquelas pessoas para quem se olha e a quem não se presta atenção por não estar a fazer nada que uma pessoa normal não faria. Não há nada de extraordinário nele. Não havia, até hoje”, disse Charles Ramsey, citado pelo britânico Daily Telegraph.
A história de Castro mistura-se com a de outras famílias do bairro, muitas também vindas da América Latina, que o conheciam, não duvidavam da sua boa intenção e até pareciam confiar nele. Ariel Castro convidava as crianças do bairro a passear na mota e chegou a levar vizinhos a ouvirem-no tocar baixo em clubes de música latino-americana.
Uma de duas personalidades
Com o tempo, tornou-se mais reservado, disse Julian Cesar Castro, um tio. “Pode ter sido pela sua personalidade escondida. Ele tinha certamente duas personalidades”, reforça ao The New York Times.
Duas facetas de uma mesma pessoa que, para a maioria dos vizinhos ouvidos, passava quase despercebido pela aparente normalidade. “Não causava problemas”, diz Jovita Marti, citada pelo The New York Times.
Também há quem agora se lembre de um lado “mais sombrio”, “qualquer coisa” difícil de explicar e perceptível apenas a uma apurada intuição. “Ele era aéreo e desadequado”, disse ao The New York Times Zayda Delgado, que o conhecia. “Também era arrogante e tinha uma atitude do tipo ‘sou o melhor’.”
O seu percurso discreto não é, porém, exemplar. Em tempos foi casado e tem três filhos, mas terá sido acusado pela mulher de violência doméstica. O caso foi a julgamento em 1993, mas o júri não o considerou culpado, escreve o USA Today. O jornal traça um retrato sombrio da família. Uma das filhas de Castro, Emily Castro, sofrerá de depressão e estará a cumprir uma pena de 25 anos por ter tentado estrangular um bebé de 11 meses em 2007, quando tinha 19 anos.
Além da acusação da mulher, Ariel Castro foi investigado em 2004 pela polícia por deixar inadvertidamente e durante algumas horas, segundo o The New York Times, uma criança no autocarro da escola que conduzia. Em 2009, voltou a ser ouvido por negligência e por pôr em risco os passageiros, segundo o mesmo jornal, que cita registos distritais da escola e nota que Ariel Castro foi despedido em 2012 por “demonstrar falta de discernimento”.
Uma adolescente próxima da família?
As histórias de vítimas e carrasco cruzam-se pela proximidade na comunidade aparentemente unida. Hoje mulheres, Amanda e Gina DeJesus eram adolescentes de 16 e 14 anos quando foram raptadas. Michelle tinha 21 anos. (O seu caso difere do das duas outras porque o seu desaparecimento começou por ser interpretado como fuga e não rapto.)
Gina DeJesus era a melhor amiga de Arlene Castro, filha de Ariel Castro, e esta terá sido a última pessoa a estar com ela antes de desaparecer, quando as duas adolescentes saíram da escola juntas antes de se separarem na rua. Foi pelo menos o que contou Arlene Castro ao programa da Fox America Most Wanted em 2005. E o tio de Gina DeJesus, Tito DeJesus, tocava em bandas com Ariel Castro e chegou a ir a sua casa, sem se aperceber da presença das mulheres.
Para o agente especial do FBI Stephen Anthony, ouvido pela BBC, a detenção de Ariel Castro pôs fim ao pesadelo das três mulheres e da criança que, com elas, foi libertada da casa. Mais poderá começar a emergir sobre o principal suspeito e os dois irmãos. Os três homens serão ouvidos nesta quarta-feira e a polícia tem até ao final do dia para formalizar uma acusação por violação e rapto.
Mas a polícia de Cleveland prevê que a investigação demore “muito tempo”, como disse à CNN a porta-voz da polícia de Cleveland Jennifer Ciaccia. “Isto é apenas a ponta do icebergue.” Os “pormenores escabrosos” começam agora a emergir, escreve a imprensa americana de hoje.
Pormenores que podem fazer estremecer sobretudo os vizinhos. Juan Perez, 27 anos, vive a poucos metros da casa de Ariel Castro. Ao programa Good Morning America, da estação ABC, disse sentir vergonha por si e pela comunidade inteira por não terem percebido o que se passava dentro da casa do número 2207 da Seymour Avenue. Por não terem percebido que por trás da “carismática” figura do vizinho estava um homem que fez de Seymour Avenue uma rua tristemente célebre e, ao mesmo tempo, palco de um final feliz.