Exilados
Perdemos a esperança no nosso país e o nosso país perdeu-nos a nós. E não há nada mais trágico do que isto. Somos uma geração de gente a quem foi dito: “Vão!”
Ao longo dos anos, têm-me perguntado muitas vezes o que me levou a sair de Portugal. Jornalista, mais habituado a fazer perguntas do que a dar respostas, reajo sempre da mesma maneira: encolho os ombros e procuro uma escapatória harmoniosa, ainda que raramente satisfaça o meu interlocutor.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ao longo dos anos, têm-me perguntado muitas vezes o que me levou a sair de Portugal. Jornalista, mais habituado a fazer perguntas do que a dar respostas, reajo sempre da mesma maneira: encolho os ombros e procuro uma escapatória harmoniosa, ainda que raramente satisfaça o meu interlocutor.
A verdade é que não sei. Portugal cansa. Tanto quanto pode cansar um país que não dá valor a quem se esforça e a quem quer vencer pelo préstimo que tem e serviço que faz, e não pelas pessoas que conhece. Mas se o que procurasse no estrangeiro fosse a meritocracia, não teria escolhido Angola, primeiro, e Cabo Verde, depois.
Nos últimos dias, devolvi a dúvida aos meus amigos. Tenho na minha lista de contactos tanta gente que responde pela condição de “português de fora”, que achei ser uma boa forma de preparar este texto.
Há quem tenha mudado de vida por amor, outros fizeram-no por uma oportunidade irrecusável. Quase todos, contudo, foram empurrados por um país que os rejeitou. Obrigados a sair pela falta de emprego ou anos de trabalho precário e mal pago.
Podemos ter deixado as malas de cartão com os nossos mais velhos, mas no essencial ainda combinamos o verbo emigrar com o substantivo esperança.
Depois da crónica “Da Saudade”, recebi uma mensagem que me deixou angustiado. Um senhor de 57 anos, pai de família, avô, atirado para um desemprego prologado, do qual resultaram demasiadas contas por pagar, pedia-me conselhos sobre emigração. Na resposta, confessei, à partida, a minha falta de apetência para aconselhar um homem com idade para ser meu pai, mas respondi o melhor que pude às suas perguntas.
Perdemos a esperança no nosso país e o nosso país perdeu-nos a nós. E não há nada mais trágico do que isto. Somos uma geração de gente a quem foi dito: “Vão!”.
Parece sina lusitana esta coisa do adeus contrafeito. Aos nossos pais, obrigaram-nos a morrer numa guerra na terra longe. A nós, com as devidas diferenças, mandam-nos viver na distância.
Deixei Portugal sem que chegasse a ser escorraçado. Desisti do lugar nos quadros da empresa para a qual trabalhava e fechei actividade nas muitas colaborações que mantinha. Financeiramente, saí a perder.
Sou um privilegiado, ainda assim. Estou sentado numa cadeira de plástico (a que amigos angolanos chamariam de “espera condições”), com os calções ligeiramente rasgados e os chinelos gastos de tanto uso. Tenho à minha frente a ilha Brava, vista do Fogo.
Trago comigo as ambições de um homem de 30, mas também a energia própria da idade. Tenho mais (temos todos) é que arregaçar as mangas e construir uma vida baseada em escolhas. Deixei de fazer da espera o centro das minhas preocupações. Não há nenhum conformismo em viver a vida apenas com o essencial. Não quero voltar. Queria era poder, se quisesse. Emigração por decreto é exílio. Seremos exilados, talvez.