Lições energéticas de uma bactéria furiosa

Faço votos para que todos possamos dar passos em direcção à sustentabilidade, apostando em fontes diversas e renováveis, que contribuam também para mudar o paradigma energético, forçando a que a procura do bem-estar não esteja necessariamente associada ao consumo de mais energia.

O mote para tal exercício pode vir das recentes notícias sobre a manipulação genética de uma bactéria que dá pelo nome de Pyrococcus furiosus, à qual resolvi chamar carinhosamente a bactéria furiosa. É uma espécie que vive naturalmente em mares profundos, sem oxigénio, tendo sido inicialmente descrita ao largo das costas italianas, perto da ilha de Vulcano. Biologicamente tem algumas propriedades interessantes, tais como viver em condições óptimas perto dos 100ºC de temperatura, ou utilizar diversas fontes de carbono no seu metabolismo, o que faz dela, desde há alguns anos, um modelo interessante para investigação.

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O mote para tal exercício pode vir das recentes notícias sobre a manipulação genética de uma bactéria que dá pelo nome de Pyrococcus furiosus, à qual resolvi chamar carinhosamente a bactéria furiosa. É uma espécie que vive naturalmente em mares profundos, sem oxigénio, tendo sido inicialmente descrita ao largo das costas italianas, perto da ilha de Vulcano. Biologicamente tem algumas propriedades interessantes, tais como viver em condições óptimas perto dos 100ºC de temperatura, ou utilizar diversas fontes de carbono no seu metabolismo, o que faz dela, desde há alguns anos, um modelo interessante para investigação.

Recentemente, dois grupos de cientistas norte-americanos anunciaram que conseguiram alterar geneticamente a bactéria para que “funcione” a temperaturas mais baixas. Também conseguiram que a bactéria furiosa manipulada, desde que adicionado hidrogénio, produzisse um composto de carbono de uso industrial corrente, por exemplo em acrílicos. Esta história só foi notícia de destaque porque quem a fez teve a ousadia de especular sobre a importância de tal descoberta para um caminho rápido de produção de combustíveis a partir do dióxido do carbono atmosférico que temos em excesso, e que nos criaproblemas ambientais para resolver. Seria assim como uma espécie de planta de crescimento rápido, com mais eficiência, dentro de um tubo de ensaio.

Problemas termodinâmicos e tecnológicos à parte, esta bactéria têm para já o condão de nos dar uma esperança do tipo “se eu ganhasse o euromilhões na sexta-feira”, sonhando com o dia próximo em que poderemos fazer combustível em casa, qual kefir no leite nos anos 80 do século passado, bastando depois encher o depósito de qualquer motor de combustão devidamente quitado.

Ainda assim, as implicações de uma hipotética descoberta com tal envergadura seriam bastante mais latas, interessantes e certamente imprevisíveis. Que seria dos países cuja economia se baseia na exportação de crude? Ou da geopolítica mundial? Teriam o golfo da Guiné e o golfo Pérsico alguma importância? Como se comportaria a avançada Noruega nas suas políticas sociais igualmente avançadas? E a ascensão económica do Brasil em parte alicerçada no petróleo profundo e por isso caro? Se a componente energética deixasse de ser relevante para a equação económica, e passado o período de euforia e ajuste, então contaríamos muito mais com o que as pessoas realmente valem como força de trabalho? Quanto tempo teríamos para o lazer?

Mesmo que fosse comprovadamente inócua para o ambiente, o que duvido por ser uma consumidora de carbono em diversas formas, teríamos de ter algum tipo de taxa que munisse os Estados das receitas equivalentes às obtidas com os produtos petrolíferos, sob risco de colapso fiscal. Antes disso, a patente seria certamente segurada a qualquer custo por quem teria mais a perder com tamanha mudança. No entanto, ficaria rapidamente em vantagem quem desafiasse na prática tal protecção intelectual e industrial.

A parte menos boa é que seria mais do mesmo. Quero com isto dizer que o paradigma energético não mudaria. Nem os motores de combustão, nem a forma como pensamos a mobilidade de pessoas e produtos e muito pouco o armazenamento de energia. Seria uma grande ajuda, mas acho que não chegaria.

Estas considerações têm por limite a nossa imaginação e o exercício não é novo. Guardei para o fim as questões de quem fará a história no futuro. De quem, vitorioso, do alto de um presente de energia fácil, limpa e barata, olhasse para trás e julgasse as nossas decisões e as nossas estratégias neste domínio. Como avaliariam os diferentes caminhos que seguimos? Como olhariam as alterações no clima e na paisagem provocadas pela actual procura de energia? Com compreensão histórica, desde logo, mais fácil se se tratar de um futuro risonho como espero.

Por agora, como a bactéria furiosa ainda não me convenceu, faço votos para que todos possamos dar passos em direcção à sustentabilidade, apostando em fontes diversas e renováveis, que contribuam também para mudar o paradigma energético, forçando a que a procura do bem-estar não esteja necessariamente associada ao consumo de mais energia. Além disso, será sempre mais fácil renaturalizar um rio onde esteve uma barragem do que restaurar um poço de petróleo ou uma mina de carvão.

Biólogo, professor auxiliar na Universidade Lusófona em Lisboa