Venezuela partida ao meio entra num novo ciclo com um líder enfraquecido
Na primeira votação sem Hugo Chávez desde 1999, o seu projecto de revolução socialista bolivariana sofreu um revés.
A Venezuela está quase perfeitamente dividida ao meio, em dois blocos porventura irreconciliáveis. A polarização é extrema, a crispação política antecipa tempos de incerteza e agita o espectro da instabilidade governativa e convulsão social.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Venezuela está quase perfeitamente dividida ao meio, em dois blocos porventura irreconciliáveis. A polarização é extrema, a crispação política antecipa tempos de incerteza e agita o espectro da instabilidade governativa e convulsão social.
Como escreviam vários analistas numa primeira reacção aos resultados preliminares, o candidato com mais votos, Nicolás Maduro, perdeu as eleições, e o seu adversário Henrique Capriles, com menos 235 mil votos, bem pode reclamar uma grande vitória, apesar de ter ficado em último.
Maduro, o herdeiro oficial da “revolução socialista bolivariana” lançada por Hugo Chávez, será empossado Presidente da Venezuela, mas ao contrário do seu antecessor, será desde o princípio um líder enfraquecido, mesmo perante os seus próprios partidários. A exploração até ao limite da imagem de Hugo Chávez não rendeu votos ao seu herdeiro declarado: em menos de meio ano, Maduro desperdiçou o capital político e pôs em xeque a sobrevivência do chavismo enquanto projecto político.
Os dez a vinte pontos de vantagem que as sondagens deram a Maduro antes da votação e que pareciam intransponíveis esfumaram-se completamente. Capriles, que já em Outubro contra Hugo Chávez tinha conseguido uma das melhores votações de sempre para a oposição, revelou uma agressividade “moderada” e popular, até mesmo um certo carisma, que antes era monopólio de Chávez.
A recontagem dos votos que exigiu assim que a Comissão Nacional Eleitoral anunciou a vitória de Nicolás Maduro não lhe renderá a presidência – Capriles compreendeu bem a declaração da Comissão Nacional Eleitoral, que disse que os votos ainda por contar já não alterariam a “tendência irreversível” para a eleição do candidato “oficialista”.
A iniciativa deve ser lida como uma estratégia de consolidação do espaço político da oposição e de confirmação de Capriles como o líder que personifica um novo paradigma – económico, social, ideológico. É uma mensagem para os venezuelanos, e também para os vários partidos e movimentos aglutinados na Mesa de Unidade Democrática: nesta altura, Capriles precisa a todo o custo de evitar a desagregação e dispersão da sua base.
Uma comparação com os dados da eleição de Outubro, ou com as eleições regionais em Dezembro, mostra à evidência como Capriles recuperou terreno que parecia irremediavelmente perdido para o chavismo: não só foi capaz de roubar mais de 600 mil votos ao Partido Socialista Unido da Venezuela como também desenhou o rascunho de um novo mapa eleitoral venezuelano.
Nas últimas duas votações, nacional e regional, a oposição só conseguiu assegurar o Governo de três dos 23 estados em disputa. Em três meses, Capriles expandiu significativamente a presença territorial das forças “antioficialistas”, terminando à frente em oito estados, alguns dos quais são os mais populosos do país. Em lugares como, por exemplo, Táchira, junto à fronteira com a Colômbia, o desejo de mudança expresso nas urnas não podia ter sido mais explícito, com Capriles (62%) a obter quase o dobro dos votos de Maduro (36%), que teve ao seu lado na campanha o governador José Vielma Mora, um dos políticos mais populares do PSUV.
Desafios para Maduro
É preciso recuar até 1968 para encontrar um resultado eleitoral tão apertado: nessa altura, foi uma diferença de 30 mil votos que garantiu a presidência a Rafael Caldera. Apesar disso, o seu mandato até 1974 foi considerado um sucesso, com um aumento consistentes das receitas do país pela negociação dos contratos internacionais, a construção de infra-estruturas essenciais e a negociação da paz com os grupos armados de extrema-esquerda.
Quase quatro décadas mais tarde, alguns dos desafios de Maduro são muito semelhantes. A distorcida e disfuncional economia da Venezuela encontra-se excessivamente dependente do petróleo, com graves problemas de escassez de bens e mercadorias e com uma rede eléctrica e comprometida. As finanças públicas estão numa situação de emergência, e o Governo tem sido obrigado a constantes desvalorizações da moeda para controlar a inflação galopante.
A insegurança que os eleitores indicaram ser o principal problema do país nas sondagens pré-eleitorais tem que ver não com acções guerrilheiras de grupos extremistas mas antes com o aumento da criminalidade. Os números oficiais, que Chávez sempre resistiu a divulgar, apontam para a ocorrência de 16 mil homicídios e mais de mil sequestros em 2012, colocando a Venezuela no top 5 dos países mais violentos do mundo.
Mas não se deve descartar o talento e a experiência de Nicolás Maduro na gestão da complexa máquina governativa. O futuro Presidente da Venezuela foi certamente surpreendido pela votação de domingo, mas tem ao seu dispor os instrumentos necessários para inverter a percepção do eleitorado em termos de confiança e popularidade.