Contos assim-assim: Indicadores
Uma mãe que se preocupa. Um filho que também se preocupa. Um isqueiro. Todas as possibilidades
Depois de ter visto Serafim e de ter passado todo o tempo a pensar na juventude, Filomena saiu na última estação. Naquela cidade, movimentada e estranha em todos os cantos, visitava o seu filho mais velho, Paulo, economista muito conhecido no meio financeiro. Homem de números, de contas rápidas, tanto calculava juros como contava os golos do ponta-de-lança do seu clube. Tanto discutia amortizações como a difícil deslocação ao terreno do quarto classificado.
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Depois de ter visto Serafim e de ter passado todo o tempo a pensar na juventude, Filomena saiu na última estação. Naquela cidade, movimentada e estranha em todos os cantos, visitava o seu filho mais velho, Paulo, economista muito conhecido no meio financeiro. Homem de números, de contas rápidas, tanto calculava juros como contava os golos do ponta-de-lança do seu clube. Tanto discutia amortizações como a difícil deslocação ao terreno do quarto classificado.
Naquele dia, mãe e filho almoçavam, junto ao rio. Filomena estava maravilhada com a paisagem. Depois de dedicar alguns segundos a essa admiração, quis saber tudo. O filho estava tão magro, não sabia o que ele comia. Não sabia, sequer, se ele comia. Ora lhe dizia que não andava a cuidar de si mesmo, como dizia que andava a trabalhar de mais. Nos intervalos, dizia as duas coisas.
- A vida não é só partir pedra, Paulo.
Ele tentava esquivar-se, como se alguém conseguisse escapar às investidas de uma mãe, numa conversa séria.
- Tu precisas é de uma mulher.
Ele negava. Tentava convencer a mãe de que estava bem, como se filho algum conseguisse convencer uma mãe preocupada. Bem tentou enrolar a conversa, mas a mãe disparava de forma certeira, voltando sempre ao mesmo ponto: Paulo estaria melhor se tivesse uma mulher.
O almoço não fugiu daquele tema e Paulo voltou para o banco, assim que a hora chegou. Passou a tarde em torno de números, uns a verde, bonitos e animadores, enquanto que outros havia, a vermelho, que metiam medo. Fez gráficos, mostrou-os, ouviu o que queria e o que não queria.
Ao fim do dia, estava em casa, sozinho, como sempre. Farto de estar a falar com as paredes, saiu para a rua. Vagueou por caminhos desertos, por ruas escuras, por locais que pareciam ter fantasmas. Encontrou um bar, com um letreiro luminoso na entrada, tão foleiro que parecia ser um bar como deve ser. Entrou e pediu uma cerveja. Na mesa do canto, estava uma mulher, não extraordinariamente bonita mas com um “je ne sais quois” que parecia despertar em Paulo uma atenção especial.
Ela olhou-o e desviou o olhar para o livro. Ele acendeu um cigarro. Dez minutos depois, ela pediu-lhe o isqueiro. Ele acedeu e ela acendeu. Ele convidou-a a sentar-se e ela assim o fez.
A conversa começou. Não havia indicadores, previsões ou dados que o esclarecessem. Ele era um homem da finança, estava habituado a contas. Ali, não havia contas a fazer: estava no domínio do imprevisível.
Tão imprevisível que nem o narrador desta história sabe como ela pode acabar.