Bodes expiatórios e escravos

Um país não se faz de pessoas exploradas e tristes. Faz-se de pessoas felizes e com vontade de o mudar para melhor. Só assim se anda para frente

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BAV-Wutson/Flickr

Nós, portugueses, sempre tivemos um dom muito especial: atirar a culpa para os outros. Se há coisa em que somos bons é na desculpabilização dos nossos erros. Adoramos essa coisa que é o bode expiatório. Temos aversão ao erro (que deveria ser visto como uma coisa positiva e factor determinante no impulsionamento e melhoramento de projectos) e, acima de tudo, de o assumirmos. Infelizmente, não gostamos de responsabilidades. A não ser, claro, se as coisas correrem bem. Caso contrário, e como se diz na gíria, atiramos a bola para outro.

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Nós, portugueses, sempre tivemos um dom muito especial: atirar a culpa para os outros. Se há coisa em que somos bons é na desculpabilização dos nossos erros. Adoramos essa coisa que é o bode expiatório. Temos aversão ao erro (que deveria ser visto como uma coisa positiva e factor determinante no impulsionamento e melhoramento de projectos) e, acima de tudo, de o assumirmos. Infelizmente, não gostamos de responsabilidades. A não ser, claro, se as coisas correrem bem. Caso contrário, e como se diz na gíria, atiramos a bola para outro.

Este estigma nacional ganhou uma forma especial nos últimos oito dias. Atingiu políticos, comentadores, jornalistas, juristas, empresários, sindicatos, empregados e desempregados. Tudo por causa de uma decisão de um grupo de senhores que mais não fizeram que defender um livro — a Constituição — que deveria ser “sagrado” para todos os portugueses.

Não é a Bíblia. Rege-se por regras éticas. Tem que ver com lei social e não moral. O seu papel é “proteger” os interesses do Estado. E o Estado são as pessoas.

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Jorge Baldaia escreve regularmente a rubrica Portugal à vista

Vamos directos ao assunto. A decisão do Tribunal Constitucional faz-me lembrar uma passagem bíblica. Cavaco fez o mesmo que Pôncio Pilatos. Lavou as mãos de culpa mesmo que a toalha estivesse suja. O Governo fez o mesmo. Tudo e todos atiraram as “responsabilidades” e “culpas” do que pode vir a acontecer no futuro para os senhores do TC. Há também quem se alegre com a decisão. Os oportunistas do costume.

Preocupante é verificar que, aparentemente, ninguém está interessado numa solução. E a mais sensata seria, com o aval do tal de presidente da República, reunir todos e obriga-los a discutir e encontrar o melhor para o país. Mas pelo que vejo ninguém parece muito interessado nisso.

Portugal tem um défice de união. É lamentável que, perante a situação actual, todos os partidos e instituições continuem de costas voltadas. Até na Grécia — que conheço mesmo muito bem — os partidos se uniram em busca de soluções. Bem ou mal é que conseguiram um perdão de metade da dívida, alargamentos no pagamento e até estão a conseguir adiar a implementação de reformas fundamentais. E não vendem os bens do Estado ao desbarato e em desespero. Um exemplo a seguir? Talvez.

A outra notícia que despertou a minha atenção dividiu-me. Se por um lado é triste por outro dá um quê de satisfação. Falo das notícias sobre a plataforma “Ganhem Vergonha”.

Pelos vistos ainda existem pessoas, em Portugal, que pensam ou acham que vivemos na época colonialista. A mesma em que era fácil reunir um bando de africanos e torna-los mão-de-obra qualificada e quase sem custos. Trabalhavam incentivados pelo insulto e o som do chicote horas a fim a troco de uma malga de sopa, um copo de água e uma cabana para dormir.

Actualmente essa exploração assume outras formas. O insulto e o som do chicote foram substituídos pela humilhação intelectual e horas de trabalho intermináveis com direito a nada. Fruto da tal de desculpabilização que falava anteriormente, vivemos numa época de escravidão — e nem sei se ria ou chore — “sofisticada” e, para muitos, necessária. Como diz um amigo meu que não sabe o que é ter que trabalhar e lutar para se conseguir algo: “trabalho não falta. A malta é malandra. Há que fazer sacrifícios na vida”. Uma observação fácil quando se cresceu e se vive num ambiente onde dinheiro não falta. Um gestor “tuga” no seu melhor.

Mas sim, há que fazer sacrifícios. Não o nego. Eu próprio os faço como muitos outros. Mas também há limites. E acima de tudo há que respeitar as pessoas e não lhes roubar a dignidade. E quando se a perde perde-se tudo. A identidade. O amor-próprio. E ninguém merece isso. Os portugueses não o merecem. Um país não se faz de pessoas exploradas e tristes. Faz-se de pessoas felizes e com vontade de o mudar para melhor. Só assim se anda para frente. Caso contrário mais vale vende-lo ao Juan Carlos.