Os olhos do Capuchinho Vermelho

Estas personagens são “figuras de cartão”: sem psicologia, sem vida interior, sem a vertigem e inquietação de uma vida humana

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Robert Bejil / Flickr

Ninguém sabe a cor dos olhos do Capuchinho Vermelho. Na verdade, nem dos cabelos, qual a sua altura, o que queria ser quando fosse grande, quais as suas brincadeiras favoritas, se tinha pai, se tinha irmãos ou irmãs, se gostava mais de cães ou de gatos, se tinha cicatrizes ou joelhos esfolados de cair ao chão, se tinha uma voz aguda ou grave, se já tinha mudado os dentes de leite, etc. Nem sequer sabemos se o seu verdadeiro nome era Maria, ou Pilar, ou Jeanne, ou Francesca, ou Anne, ou Wera ou outro qualquer. E, todavia, é também das personagens mais reconhecíveis que temos, tal como a Bela Adormecida, Hans e Gretel e muitos outros que não chegaram a infiltrar-se no nosso imaginário através dos filmes da Disney.

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Ninguém sabe a cor dos olhos do Capuchinho Vermelho. Na verdade, nem dos cabelos, qual a sua altura, o que queria ser quando fosse grande, quais as suas brincadeiras favoritas, se tinha pai, se tinha irmãos ou irmãs, se gostava mais de cães ou de gatos, se tinha cicatrizes ou joelhos esfolados de cair ao chão, se tinha uma voz aguda ou grave, se já tinha mudado os dentes de leite, etc. Nem sequer sabemos se o seu verdadeiro nome era Maria, ou Pilar, ou Jeanne, ou Francesca, ou Anne, ou Wera ou outro qualquer. E, todavia, é também das personagens mais reconhecíveis que temos, tal como a Bela Adormecida, Hans e Gretel e muitos outros que não chegaram a infiltrar-se no nosso imaginário através dos filmes da Disney.

O romancista Philip Pullman, que se está a dedicar a recontar as histórias de fadas recolhidas pelos irmãos Grimm, surpreendeu-se com o facto de estas personagens serem “figuras de cartão”: sem psicologia, sem vida interior, sem a vertigem e inquietação de uma vida humana. E no entanto chegam e acompanham-nos ao longo da vida com uma clareza hiper-real, como se vivessem numa outra dimensão paralela à nossa.

Talvez seja essa a força dos contos de fadas enquanto histórias: a de não nos afogarem em informação inútil, mas, com a mais evidente das clarezas, nos mostrarem imagens que se combinam na nossa cabeça para criarem mundos cheios de perigo e mistério, e mostrarem gestos e ações que ecoam de sentido – seja inconsciente, mítico ou telúrico – que nos interpelam tanto na infância como na idade adulta. Será preciso idade mínima para entender a força da imagem de uma criança que, protegida apenas por um frágil capuz vermelho, atravessa uma floresta sombria sob o olhar guloso de um lobo?

Essa é a força que encontramos também nas anedotas, na publicidade e nos videojogos. Os dois primeiros, num tempo breve, com as mais elementares personagens tipo e as mais simples ações, geram em nós reações físicas e emocionais, e por vezes infiltram-se no nosso imaginário para não nos largarem mais – quem é que não guarda na memória anúncios de poucos segundos preenchidos de personagens sem nome? Os terceiros porque nos dão acesso a universos virtuais, onde podemos preencher personagens e gestos com a nossa própria vontade e imaginação, porque nos permitem participar dessas mesmas histórias com as nossas próprias emoções, tal como tem acontecido com os contos de fadas há vários séculos.