“É um bom negócio levar os cristãos a sério”
Para o produtor e consultor de televisão Phil Cooke o impacto da série A Bíblia protagonizada por Diogo Morgado deve-se à sua neutralidade: "é apenas a história da Bíblia sem tomar qualquer posição"
Ao PÚBLICO, numa entrevista por e-mail, Phil Cooke, especialista em temas religiosos na televisão e autor do livro One Big Thing: Discovering What You Were Born to Do, falou do fenómeno que se gerou nos Estados Unidos com a série protagonizada por Diogo Morgado e tentou antecipar o efeito que terá por cá. A Bíblia estreia já neste fim-de-semana na SIC, estando os dez episódios divididos entre as tardes de sábado e domingo.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ao PÚBLICO, numa entrevista por e-mail, Phil Cooke, especialista em temas religiosos na televisão e autor do livro One Big Thing: Discovering What You Were Born to Do, falou do fenómeno que se gerou nos Estados Unidos com a série protagonizada por Diogo Morgado e tentou antecipar o efeito que terá por cá. A Bíblia estreia já neste fim-de-semana na SIC, estando os dez episódios divididos entre as tardes de sábado e domingo.
O que faz esta série ser tão popular?
Existem várias razões para A Bíblia ter tido tanto sucesso nos Estados Unidos. Primeiro, é popular porque está livre de uma agenda. Não é a abordagem normal de “Jesus: Casou secretamente com Maria Madalena?” ou “Jesus: Foi gay?”. É apenas a história da Bíblia sem tomar qualquer posição. Em segundo, é popular porque é unificador. Estiveram envolvidos no aconselhamento à produção mais de 40 investigadores, teólogos e pastores de todo o espectro do cristianismo. É popular porque não só cada episódio tem um ângulo arrebatador da história, como toda a série conta a meta-narrativa de Deus e de como Ele lida com a humanidade. Por fim, nos Estados Unidos, as pessoas estão sedentas de histórias da Bíblia. Os EUA têm uma separação tão rígida entre a Igreja e o Estado, que a maioria dos administradores das escolas não está nem disposta a assumir o risco de ensinar a Bíblia. Apesar do incrível impacto que teve na literatura ocidental, na arte, na música e na educação, a Bíblia está a perder a sua influência. Como resultado, temos uma geração que conhece pouco ou mesmo nada sobre a Bíblia, e que parece ter fome dela. Esta série de televisão está a alimentar essa fome.
Qual é a sua opinião sobre esta série?
Eu próprio sou produtor de televisão, e qualquer produtor faria as coisas de forma diferente. Comparada com um típico filme ou um programa de televisão em prime time, esta série tem um orçamento limitado. Mas a verdade é que Mark Burnett é o produtor mais bem-sucedido da televisão porque ele conhece a audiência. Independentemente do que se possa pensar sobre a série, Mark fez um trabalho brilhante ao chegar a uma audiência mainstream de uma forma poderosa.
Sempre existiram filmes e séries sobre a Bíblia, de que forma é que esta é diferente?
É a história simples da Bíblia. Os produtores que não estão familiarizados com ela pensam que têm de criar programas baseados na Bíblia com um ângulo provocador ou controverso. Eles não percebem que as histórias em si são poderosas. São histórias épicas que resistiram ao teste do tempo. Não precisam de uma agenda, não têm de ser actualizadas. A Bíblia é ainda o maior best-seller de todos os tempos. Não percebo porque é que alguém há-de ser tão arrogante ao ponto de pensar que pode melhorar estas histórias.
Esta é uma série apenas para crentes?
Claro que não. Sabemos que uma ampla variedade de pessoas está a ver a série. Ainda na semana passada vi no Twitter um tweet de um muçulmano a defendê-la. Crentes de todas as fés, e até mesmo não crentes, parecem vê-la regularmente e estão a gostar muito.
Qual é a importância deste tipo de séries para a nossa sociedade?
Nós esquecemo-nos que existem milhares de referências bíblicas na obra de Shakespeare. Centenas de romances como Moby Dick têm temas da Bíblia por base. Nos Estados Unidos, nem sequer se perceberia o famoso discurso de Martin Luther King, “Eu tenho um sonho”, se não se entendesse a Bíblia. Para os ocidentais em especial, a Bíblia teve um impacto indelével.
O facto de a maioria da população americana ser religiosa, contribuiu para o sucesso da série?
O Pew Research Center diz que existem mais de 90 milhões de cristãos evangélicos nos Estados Unidos. Isso significa que o público cristão é o maior grupo de interesse na América. Acho que Hollywood finalmente reconheceu que é simplesmente um bom negócio levar esta audiência a sério. Mas como já disse atrás, isto não se resume ao público cristão. Neste caso, trata-se de simplesmente grandes histórias que qualquer pessoa aprecia.
Considerando as diferenças entre os Estados Unidos e a Europa, como é que acha que a série vai ser recebida aqui?
Os Estados Unidos e a Europa têm a mesma herança cultural, embora a Europa se tenha afastado mais desta herança. Mas uma viagem por qualquer grande cidade europeia vai revelar o impacto e a influência que o cristianismo teve na sua história. A verdade é que eu acho que a Europa vai sentir para sempre a sombra do cristianismo, quer tenha reconhecimento público ou não. Muitas das suas maiores instituições, desde hospitais, orfanatos, serviços sociais, universidades, e muito mais foram fundados por homens e mulheres incumbidos por princípios cristãos. Muito do nosso sistema legal é baseado nos Dez Mandamentos. Mas a grande ironia é que a grande liberdade que o cristianismo traz para uma cultura, é a mesma liberdade que dá à cultura a escolha de fugir desta fé.