Quando a mulher de Julian Barnes morreu ele quis morrer com ela
Escritor revela na sua nova obra que pensou (e pensa por vezes) em suicidar-se. Em Levels of Life, o autor de O Papagaio de Flaubert fala da morte da mulher e da dor imensa que é viver sem Pat Kavanagh. “Juntam-se duas coisas que nunca se tinham juntado antes. E o mundo muda…”
“A questão do suicídio chega cedo, e com uma certa lógica… Soube desde logo que método preferiria – um banho quente, um copo de vinho junto às torneiras, e uma faca japonesa excepcionalmente afiada. Pensei nessa solução bastantes vezes, e ainda penso”, escreve Barnes, 67 anos, autor que recebeu já vários importantes prémios, como o Médicis pelo aclamadíssimo O Papagaio de Flaubert e o Man Booker pela sua última obra, O Sentido do Fim (ambos editados em Portugal pela Quetzal).
O jornal britânico The Daily Telegraph, que já leu algumas passagens das memórias do autor de Arthur & George (edições Asa), diz que Barnes admite que o principal argumento que o levou a não optar pelo suicídio foi o facto de ser, ele mesmo, o que mais e melhor se lembra de Kavanagh, que para além de sua mulher foi sua agente.
“Juntam-se duas coisas que nunca se tinham juntado antes. E o mundo muda…”, continua Barnes naquele que a editora britânica está a promover como o mais comovente dos seus livros, uma espécie de tratado sobre a mágoa de uma perda imensa. Pat Kavanagh morreu 37 dias depois de lhe ter sido disgnosticado um cancro na cabeça.
As sinopses disponíveis nas livrarias online garantem que em Levels of Life, obra dividida em três, o escritor começa por falar do século XIX, de viagens de balão, de fotografia e da actriz Sarah Bernhardt, para depois passar a um relato profundamente intimista, ancorado na sua experiência pessoal, na dor que a morte de Pat Kavanagh lhe deixou.
É neste livro parcialmente autobiográfico, conta a jornalista Yvonne Roberts, do britânico The Observer, que o escritor revela a sua raiva pelo comportamento dos amigos que, por “cobardia” e não por “boas maneiras”, evitam dizer o nome da mulher, como se Kavanagh nunca tivesse existido. Como se Barnes-Kavanagh nunca tivesse existido. “Esperamos que aqueles mais próximos de nós em idade e sexo e estado civil compreendam melhor. Que ingenuidade. Lembro-me de uma conversa à mesa num restaurante com três amigos casados aproximadamente da minha idade. Cada um deles a conhecera durante anos – talvez 80 ou 90 no total – e cada um teria dito, se lhe fosse perguntado, que a amava. Eu mencionei o nome dela, nenhum lhe pegou. Fi-lo outra vez, e outra vez nada.”
E sim, passaram cinco anos mas ainda conversa com ela, admite o escritor, descrevendo-a de forma a não deixar dúvida alguma: “[Pat era] o coração da minha vida; a vida do meu coração.”
Julian Barnes habituou os seus leitores a frases como esta, só aparentemente simples. As suas personagens, como Tony Webster, o homem que reconstrói as memórias de um passado distante que se impôs no presente em O Sentido do Fim, parecem muitas vezes ser alguém que poderíamos conhecer. Umas vezes amarguradas, outras felizes, mas sempre cheias de contradições.
Não é a primeira vez que Barnes fala em suicídio, lembra o jornal Telegraph. Em Fevereiro, por exemplo, o autor referiu-se ao suicídio assistido, ilegal no Reino Unido, afirmando: “Sempre pensei que uma pessoa tem direito a suicidar-se se assim o entender. E é terrível que as pessoas tenham de ir para a Suíça [onde o suicídio assistido está previsto na lei] e vejam os seus familiares ameaçados com processos em tribunal ou com acusações criminais quando estão obviamente sãs de espírito mas o seu corpo está terrivelmente doente.”
Barnes, escreve a jornalista do Observer, tal como Noam Chomsky, nunca teve medo de falar de emoções, do que sente. Levels of Life é uma prova disso. É nele que escreve, mais uma vez sobre a morte da mulher: “A perda de vocabulário partilhado, alegorias, provocações, short cuts… notas de rodapé de amante… todas essas referências obscuras, ricas em memória mas sem valor se explicadas a um intruso.”
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“A questão do suicídio chega cedo, e com uma certa lógica… Soube desde logo que método preferiria – um banho quente, um copo de vinho junto às torneiras, e uma faca japonesa excepcionalmente afiada. Pensei nessa solução bastantes vezes, e ainda penso”, escreve Barnes, 67 anos, autor que recebeu já vários importantes prémios, como o Médicis pelo aclamadíssimo O Papagaio de Flaubert e o Man Booker pela sua última obra, O Sentido do Fim (ambos editados em Portugal pela Quetzal).
O jornal britânico The Daily Telegraph, que já leu algumas passagens das memórias do autor de Arthur & George (edições Asa), diz que Barnes admite que o principal argumento que o levou a não optar pelo suicídio foi o facto de ser, ele mesmo, o que mais e melhor se lembra de Kavanagh, que para além de sua mulher foi sua agente.
“Juntam-se duas coisas que nunca se tinham juntado antes. E o mundo muda…”, continua Barnes naquele que a editora britânica está a promover como o mais comovente dos seus livros, uma espécie de tratado sobre a mágoa de uma perda imensa. Pat Kavanagh morreu 37 dias depois de lhe ter sido disgnosticado um cancro na cabeça.
As sinopses disponíveis nas livrarias online garantem que em Levels of Life, obra dividida em três, o escritor começa por falar do século XIX, de viagens de balão, de fotografia e da actriz Sarah Bernhardt, para depois passar a um relato profundamente intimista, ancorado na sua experiência pessoal, na dor que a morte de Pat Kavanagh lhe deixou.
É neste livro parcialmente autobiográfico, conta a jornalista Yvonne Roberts, do britânico The Observer, que o escritor revela a sua raiva pelo comportamento dos amigos que, por “cobardia” e não por “boas maneiras”, evitam dizer o nome da mulher, como se Kavanagh nunca tivesse existido. Como se Barnes-Kavanagh nunca tivesse existido. “Esperamos que aqueles mais próximos de nós em idade e sexo e estado civil compreendam melhor. Que ingenuidade. Lembro-me de uma conversa à mesa num restaurante com três amigos casados aproximadamente da minha idade. Cada um deles a conhecera durante anos – talvez 80 ou 90 no total – e cada um teria dito, se lhe fosse perguntado, que a amava. Eu mencionei o nome dela, nenhum lhe pegou. Fi-lo outra vez, e outra vez nada.”
E sim, passaram cinco anos mas ainda conversa com ela, admite o escritor, descrevendo-a de forma a não deixar dúvida alguma: “[Pat era] o coração da minha vida; a vida do meu coração.”
Julian Barnes habituou os seus leitores a frases como esta, só aparentemente simples. As suas personagens, como Tony Webster, o homem que reconstrói as memórias de um passado distante que se impôs no presente em O Sentido do Fim, parecem muitas vezes ser alguém que poderíamos conhecer. Umas vezes amarguradas, outras felizes, mas sempre cheias de contradições.
Não é a primeira vez que Barnes fala em suicídio, lembra o jornal Telegraph. Em Fevereiro, por exemplo, o autor referiu-se ao suicídio assistido, ilegal no Reino Unido, afirmando: “Sempre pensei que uma pessoa tem direito a suicidar-se se assim o entender. E é terrível que as pessoas tenham de ir para a Suíça [onde o suicídio assistido está previsto na lei] e vejam os seus familiares ameaçados com processos em tribunal ou com acusações criminais quando estão obviamente sãs de espírito mas o seu corpo está terrivelmente doente.”
Barnes, escreve a jornalista do Observer, tal como Noam Chomsky, nunca teve medo de falar de emoções, do que sente. Levels of Life é uma prova disso. É nele que escreve, mais uma vez sobre a morte da mulher: “A perda de vocabulário partilhado, alegorias, provocações, short cuts… notas de rodapé de amante… todas essas referências obscuras, ricas em memória mas sem valor se explicadas a um intruso.”