Paulo de Cantos: um editor à frente do seu tempo
O atelier Barbara Says revela este sábado algumas facetas de uma figura invulgar e praticamente desconhecida. Paulo de Cantos editou dezenas de livros, utilizando a composição tipográfica para criar uma estética muito própria.
O interesse em torno de Paulo de Cantos surge precisamente por causa dos livros, manuais didácticos, opúsculos, que editou freneticamente desde os anos 20 do século passado até morrer. São livros sobre os mais diversos temas - linguística, geografia, anatomia, literatura, matemática, folclore – e cuja particularidade é a forma como aproveitou a composição tipográfica para criar esquemas, desenhos estilizados, mapas antropomórficos.
O resultado é um trabalho de vanguarda, praticamente desconhecido, muito visual, com uma preocupação pedagógica. Não é raro encontrar livros que podem ser lidos nos dois sentidos como Os reis do RISO…As leis do SISO (sem data) ou Sal-Azar/Sol!Az!!Ar!! (1961?). Ou ainda o Adágios (1946?), que compila um conjunto de adágios traduzidos em 10 línguas.
De Cantos criou ainda uma língua própria. Depois de uma viagem ao Brasil, por volta de 1965, o autor organizou em sua casa um Congresso Luso-Brasileiro dedicado à língua portuguesa. Daí surgiu a ideia de unificar a grafia das duas línguas, a que chamou PAK.
Os livros de Paulo de Cantos chegaram às mãos de António Silveira Gomes, um dos sócios do atelier Barbara Says, há mais de uma dezena de anos quando estudava design gráfico na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Cruzou-se com eles no Geronte, um bar/alfarrabista no Bairro Alto, “entre copos e o cheiro a mofo próprio dos alfarrabistas”.
A pouco e pouco, a curiosidade sobre quem seria aquele curioso autor foi crescendo até que António e Cláudia Castelo, editora e sócia do Bárbara Says, decidiram que tinha chegado a altura de fazer alguma coisa para revelar tão singular figura.
“Reunimos o espólio dele, fizemos uma exposição, reunimos um conjunto de pessoas [durante as Jornadas Cantianas que decorreram em Março do ano passado] para nos ajudar a perceber quem foi este autor, aproximámo-nos da família para perceber o que restava além dos livros”, conta Cláudia Castelo. Do filho, Gil de Cantos, e da neta, Maria João de Cantos, chegou um baú cheio de zincogravuras que o autor usava na composição dos seus livros.
O resultado destas descobertas é O livr-o-mem – Paulo d’ Cantos n’ Palma d’ Mão, que esta tarde é apresentado no jardim do Príncipe Real, em Lisboa. O lançamento do livro, será feito junto de um plátano mandado plantar por Paulo de Cantos, em frente ao antigo Centro de Profilxia da Velhice, pela Valorização Humana desde a Mocidade, fundado pelo autor.
O objectivo foi sistematizar o conhecimento compilado a propósito do autor. Com um formato semelhante ao do Dicionário Técnico, editado em 1942, na impressão do livro foram usadas várias técnicas: offset para o miolo e tipografia para as zincogravuras cedidas pela família.
De Cantos parece ter sido um homem à frente do seu tempo. “Muitos dos livros de Paulo de Cantos encontrados nos alfarrabistas nem sequer tinham sido abertos”, nota António Silveira Gomes. “Há uma distância muito grande entre a obra que ele produziu e o público que a recebeu Ele foi incompreendido na altura mas a obra dele tem coisas para dizer”, completa Cláudia Castelo.
Paulo de Cantos nasceu em Lisboa, estudou em Coimbra, onde foi contemporâneo de Salazar. Foi professor no Liceu Pedro Nunes, reitor do Liceu Eça de Queiroz, na Póvoa de Varzim, fez cursos de química, belas-artes e até vitivinicultura. Regressou a Lisboa onde fundou o Centro de Profilaxia da Velhice na sua casa, e criou a Bibliarte, um alfarrabista por onde passaram Fernando Pessoa, Cesariny, entre outros.
Mas ao contrário dos seus contemporâneos, De Cantos permaneceu praticamente desconhecido, o que cria um certo mistério à sua volta. Como se relacionou Paulo de Cantos com a ditadura? Até que ponto influenciou os artistas que com ele conviveram? Cláudia Castelo espera que as respostas comecem a chegar depois desta primeira obra.
Mas De Cantos vai além dos livros. O seu lado de inventor tem expressão no modelo do corpo humano construído pelo autor em tamanho real, que se abre como um móvel e tem lá dentro ossos humanos a simular um esqueleto, ou a bizarra bengala de sobrevivência, com vários compartimentos para guardar pequenas quantidades de mantimentos.
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O interesse em torno de Paulo de Cantos surge precisamente por causa dos livros, manuais didácticos, opúsculos, que editou freneticamente desde os anos 20 do século passado até morrer. São livros sobre os mais diversos temas - linguística, geografia, anatomia, literatura, matemática, folclore – e cuja particularidade é a forma como aproveitou a composição tipográfica para criar esquemas, desenhos estilizados, mapas antropomórficos.
O resultado é um trabalho de vanguarda, praticamente desconhecido, muito visual, com uma preocupação pedagógica. Não é raro encontrar livros que podem ser lidos nos dois sentidos como Os reis do RISO…As leis do SISO (sem data) ou Sal-Azar/Sol!Az!!Ar!! (1961?). Ou ainda o Adágios (1946?), que compila um conjunto de adágios traduzidos em 10 línguas.
De Cantos criou ainda uma língua própria. Depois de uma viagem ao Brasil, por volta de 1965, o autor organizou em sua casa um Congresso Luso-Brasileiro dedicado à língua portuguesa. Daí surgiu a ideia de unificar a grafia das duas línguas, a que chamou PAK.
Os livros de Paulo de Cantos chegaram às mãos de António Silveira Gomes, um dos sócios do atelier Barbara Says, há mais de uma dezena de anos quando estudava design gráfico na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Cruzou-se com eles no Geronte, um bar/alfarrabista no Bairro Alto, “entre copos e o cheiro a mofo próprio dos alfarrabistas”.
A pouco e pouco, a curiosidade sobre quem seria aquele curioso autor foi crescendo até que António e Cláudia Castelo, editora e sócia do Bárbara Says, decidiram que tinha chegado a altura de fazer alguma coisa para revelar tão singular figura.
“Reunimos o espólio dele, fizemos uma exposição, reunimos um conjunto de pessoas [durante as Jornadas Cantianas que decorreram em Março do ano passado] para nos ajudar a perceber quem foi este autor, aproximámo-nos da família para perceber o que restava além dos livros”, conta Cláudia Castelo. Do filho, Gil de Cantos, e da neta, Maria João de Cantos, chegou um baú cheio de zincogravuras que o autor usava na composição dos seus livros.
O resultado destas descobertas é O livr-o-mem – Paulo d’ Cantos n’ Palma d’ Mão, que esta tarde é apresentado no jardim do Príncipe Real, em Lisboa. O lançamento do livro, será feito junto de um plátano mandado plantar por Paulo de Cantos, em frente ao antigo Centro de Profilxia da Velhice, pela Valorização Humana desde a Mocidade, fundado pelo autor.
O objectivo foi sistematizar o conhecimento compilado a propósito do autor. Com um formato semelhante ao do Dicionário Técnico, editado em 1942, na impressão do livro foram usadas várias técnicas: offset para o miolo e tipografia para as zincogravuras cedidas pela família.
De Cantos parece ter sido um homem à frente do seu tempo. “Muitos dos livros de Paulo de Cantos encontrados nos alfarrabistas nem sequer tinham sido abertos”, nota António Silveira Gomes. “Há uma distância muito grande entre a obra que ele produziu e o público que a recebeu Ele foi incompreendido na altura mas a obra dele tem coisas para dizer”, completa Cláudia Castelo.
Paulo de Cantos nasceu em Lisboa, estudou em Coimbra, onde foi contemporâneo de Salazar. Foi professor no Liceu Pedro Nunes, reitor do Liceu Eça de Queiroz, na Póvoa de Varzim, fez cursos de química, belas-artes e até vitivinicultura. Regressou a Lisboa onde fundou o Centro de Profilaxia da Velhice na sua casa, e criou a Bibliarte, um alfarrabista por onde passaram Fernando Pessoa, Cesariny, entre outros.
Mas ao contrário dos seus contemporâneos, De Cantos permaneceu praticamente desconhecido, o que cria um certo mistério à sua volta. Como se relacionou Paulo de Cantos com a ditadura? Até que ponto influenciou os artistas que com ele conviveram? Cláudia Castelo espera que as respostas comecem a chegar depois desta primeira obra.
Mas De Cantos vai além dos livros. O seu lado de inventor tem expressão no modelo do corpo humano construído pelo autor em tamanho real, que se abre como um móvel e tem lá dentro ossos humanos a simular um esqueleto, ou a bizarra bengala de sobrevivência, com vários compartimentos para guardar pequenas quantidades de mantimentos.