Às mulheres
Arábia Saudita: a virgindade mantém-se até ao casamento. Comportamentos menos convencionais são penalizados ou pagos com a vida
Pisei o Dubai pela primeira vez em 2008. O Burj Khalifa era um prédio de dez andares, tal como os outros mamarrachos que dão vida à Sheik Zayed Road. A minha mãe dizia: “Podias trabalhar aqui, é um país novo com oportunidades!”. O deserto não era o meu ideal de residência e eu queria fazer algo pelo meu país. Como sempre, às mães só lhes falta acertar no totoloto. Num futuro próximo, aquela rua tornou-se um hábito, um pousio fora de horas, um ponto-de-encontro e um ombro paisagístico para profundos pensamentos e teorias ocasionais.
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Pisei o Dubai pela primeira vez em 2008. O Burj Khalifa era um prédio de dez andares, tal como os outros mamarrachos que dão vida à Sheik Zayed Road. A minha mãe dizia: “Podias trabalhar aqui, é um país novo com oportunidades!”. O deserto não era o meu ideal de residência e eu queria fazer algo pelo meu país. Como sempre, às mães só lhes falta acertar no totoloto. Num futuro próximo, aquela rua tornou-se um hábito, um pousio fora de horas, um ponto-de-encontro e um ombro paisagístico para profundos pensamentos e teorias ocasionais.
Pouco sabia sobre o médio oriente. Aprendi que a vida era mais limitada para as mulheres quando visitamos Saaed, um amigo do meu pai. Não conheci a sua mulher. Ela não pode estar na presença de outro homem que não seja o seu marido ou familiar. Véus e "abayas" chocaram o meu orgulho femino. Na imensidão das vestes negras, comunicar é confuso. Tirando os olhos não se vê expressões ou linguagem corporal. Como absorver a essência de alguém se não deciframos atitudes, gestos, intenções?
Nascida num berço ocidental à beira-mar plantado, acomodei-me ao pouco que sabia. Através do livro “Princesa”, de Jean Sasson,sobre a vida de uma princesa da Arábia Saudita, descobri que um mundo de coisas que tomo como garantidas são suspiros em culturas que menosprezam quem nasce ausente de um pénis entre as pernas.
O Ocidente vive no verbo queixar, em adjectivos depressivos. Não critico, não julgo. Eu deixei o meu país para viver, não para sobreviver. O Governo tira tudo. Mas há coisas que ninguém nos tira. Enquanto a gasolina permitir pegamos no carro para vaguear a alma. Na Arábia Saudita, mulheres não podem conduzir. Reclamamos dos homens, mas e se fôssemos obrigadas a casar com um homem com idade para ser avô em prol do bom negócio para a nossa família? Corríamos o risco de ser a 3ª. aquisição. A nossa integridade física estaria exposta a obescenos actos sexuais e a uma vida sem uma réstia de dedicação ao amor próprio.
A virgindade mantém-se até ao casamento. Comportamentos menos convencionais são penalizados ou pagos com a vida. Cabe ao pai o acesso ao ensino. Para alguns é despropositado tornar uma mulher mais culta. Homens e mulheres não podem circular no mesmo carro, comer juntos num restaurante se não forem casados ou familiares. A Arábia Saudita pratica a versão mais extremista do Islamismo. A mulher é fonte de todo o mal, escrava e objecto de acesso a gerações vindouras. Esses homens fazem hoje atrocidades a quem os pôs na terra. Espero que algum Allah se lembre de fazer justiça à frase “karma is a bicth!”
A anulação
Não é assim em todo o médio oriente. O Dubai, por exemplo, é um dos emirados permissivos, uma sociedade cosmopolita construída em prol da inovação quebrando limitações e adoptando “modernices” pouco convencionais no mundo Islâmico. Embora a Arábia Saudita seja um país próspero economicamente, o mesmo não se passa com a sua sociedade. Apesar de elevar edifícios modernos por obra e graça do poço de petróleo, anula a mulher. Pudera um poço de petróleo iluminar uma mente da mesma forma que ilumina olhos predadores de poder.
Num mês em que celebrámos o dia da mulher, gostaria de lembrar, em especial às portuguesas, que, ao menos, ninguém nos tira o direito de sermos mulheres, a liberdade de mostrar a cara e falar, de espernear com a genica que nos caracteriza.
Caminhem com garra, cantem "Grândola Vila Morena" para salvar a pátria. Se não der, cravem a saudade e agradeçam a plenos pulmões o facto de sermos LIVRES para começar de novo. Não para sobreviver, mas para VIVER, condição que outras mulheres nunca irão saber o que é. Todos os dias, são dias da mulher.