As Árvores Que Comiam Papel foram fotografadas por crianças

Livro electrónico reúne imagens feitas por alunos no Douro nas quatro estações do ano.

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Pôr a comunidade a valorizar as árvores que tem na região, levar as crianças a descobrir a origem das diferentes espécies, ensiná-las a respeitar e a agradecer o que a natureza nos dá são alguns dos objectivos da autora, Susana Neves. “Porque o Douro não é só vinha”, diz ao PÚBLICO. E acrescenta: “Temos de criar uma nova consciência, uma nova atitude relativamente à natureza e às árvores em particular. É um projecto que se deve expandir. É regional, mas é universal.”

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Pôr a comunidade a valorizar as árvores que tem na região, levar as crianças a descobrir a origem das diferentes espécies, ensiná-las a respeitar e a agradecer o que a natureza nos dá são alguns dos objectivos da autora, Susana Neves. “Porque o Douro não é só vinha”, diz ao PÚBLICO. E acrescenta: “Temos de criar uma nova consciência, uma nova atitude relativamente à natureza e às árvores em particular. É um projecto que se deve expandir. É regional, mas é universal.”

Por proposta do Museu do Douro, duas turmas de crianças de dez e 11 anos fotografaram, no ano lectivo de 2010-2011, as árvores que cada uma escolheu em cinco locais nas proximidades de Peso da Régua: Alto de São Domingos (Armamar), Quinta da Pacheca (Cambres), Quinta das Brôlhas, Quinta das Leiras e Eirados (Valdigem). Uma selecção de lugares justificada pela diferenciação de espécies.

“Cada miúdo tinha direito a uma máquina fotográfica digital já baptizada com o nome de uma árvore da região”, conta a investigadora de etnobotânica. Cada criança passou então a ter como novo apelido a árvore correspondente à sua máquina. A aluna Patrícia Ferreira, por exemplo, acrescentou “Freixo” ao seu nome de família. É dela a frase que se segue imediatamente ao prefácio: “Quando fui fotografar [era] como se pertencesse à vida das árvores, senti uma emoção, como se estivesse mais perto de descobrir o que nos querem dizer, o que devemos fazer, como se não houvesse amanhã.” Também é a principal entusiasta em recuperar os contactos dos participantes nos passeios fotográficos, para que não faltem ao lançamento no Museu de Lamego. Porque a espera para verem o resultado durou dois anos, já que a exposição dos trabalhos que estava prevista inicialmente nunca aconteceu.

Não desistir
“Este é também um projecto de boa vontade. Quero mostrar-lhes que não se desiste das coisas, mesmo quando se atravessam momentos de crise e contenção. O Museu do Douro acompanhou-nos até um certo ponto, mas surgiram problemas orçamentais. Então, passámos a contar com o apoio da Direcção Regional de Cultura do Norte. Como o objectivo é dar continuidade a este trabalho, quanto mais agentes culturais estiverem envolvidos, melhor. Pode ser que agora mais alguns se juntem a nós”, diz a também fotógrafa.

Explicações sobre o título do livro-CD As Árvores Que Comiam Papel: “É uma posição irreverente face à maneira como se interpretam as árvores. Quis desviar a atitude antropocêntrica e utilitarista que habitualmente temos face aos nossos recursos. As árvores não estão aqui numa posição comum. Não é a partir delas que se faz papel. Não. Elas têm de ser vistas de maneira completamente diferente. Estimulei muito nos miúdos uma atitude de respeito. A natureza existe por si e para si. É cidadã e é livre. Nós temos de ser bastante gratos (é uma atitude muito índia, eu sei) para com a natureza. Não exaurir os nossos recursos.”

A iniciativa integrou “oficinas de construção e iconografia de herbários de diferentes proveniências (incluindo o Grand Herbier, de Lourdes Castro) e de confecção de tintas vegetais, a partir de frutos e legumes, como a romã e a couve rouxa”.

As Árvores Que Comiam Papel, com mais de 300 páginas, foi “concebido como uma espécie de diário de viagem colectivo, (…) inclui a memória dessas descobertas, citando diálogos, sonhos, algumas receitas, pesquisa botânica e poemas sobre árvores, uns originais outros de poetas portugueses, como António Ramos Rosa, Ruy Belo e José Gomes Ferreira”, lê-se no prefácio. Susana acrescentou ao diário “apontamentos sobre a origem etimológica dos locais fotografados e excertos de textos de vários autores que datam sobretudo dos séculos XVI e XIX, e permitem compreender a história das árvores durienses, sejam elas autóctones ou exóticas”.

Há ainda depoimentos de proprietários das quintas e de professores que acompanharam os miúdos, como Ana Gouveia e Jorge Filipe, que falam do projecto como “uma experiência transformadora”.

Susana Neves, autora também de Histórias Que Fugiram das Árvores — Um Arboretum Português (edição BytheBook, 2012), assume para si a expressão “uma mulher de árvores”, em vez de “uma mulher de armas”, e elege como sua favorita a paineira: “É irreverente, não dá fruto, dá sumaúma.”


Espécies fotografadas
Alto de São Domingos: castanheiros, pinheiros e medronheiros (associados à economia e cultura tradicionais), mimosas e eucalipto (árvores australianas).
Quinta da Pacheca (Cambres): choupo branco, olaias, ciprestes, plátanos, bambu, um ácer, um tulipeiro da Vírginia e carvalhos americanos.
Quinta das Brôlhas (Valdigem): camélias não topiadas (esculpidas), cujas flores caducas muito impressionaram as crianças, e a ameixoeira de origem asiática.
Quinta das Leiras e Eirados (Valdigem): figueiras, pereiras, laranjeiras, diospireiros, damasqueiros, cerejeiras, pessegueiros e oliveiras centenárias. E a “árvore maravilhosa”, Acer negundo Variegatum, uma espécie de origem norte-americana associada a um dos mais antigos instrumentos de sopro índios.

As Árvores Que Comiam Papel
Fotografia e etnobotânica com crianças do Douro*
Edição e Produção de Susana Neves (http://quando-o-rei-era-sabao.blogspot.pt/)
Design Inês Sena
Edição Lunar Horse
CD, 13,5€
Subsidiado pela Direcção Regional de Cultura do Norte
Lançamento no dia 23 de Março, no Museu de Lamego, às 16h


*Agrupamento de Escola João de Araújo Correia, EB2,3 Peso da Régua. Professoras: Ana Gouveia e Lídia Florisa dos Santos Coutinho.
*Agrupamento Vertical da Escola Monsenhor Jerónimo do Amaral, EB1. Andrães. Professores: Jorge Filipe e Teresa Carriço.