Vamos ter um crash nas bolsas?

Se olharmos para as contas da generalidade das empresas cotadas a resposta parece simples. A recessão não está espelhada nem nas contas nem nas perspectivas de crescimento, aliás nem se vêm sinais disso quando se analisa nesta perspectiva, os resultados são bons, há estratégias de crescimento que parecem sustentáveis e a capacidade de investimento é evidente, tanto pelas taxas de juros reduzidas no mercado como até na própria liquidez já detida pelas empresas. Houve portanto um período claro em que se gerou valor para os accionistas, o que justifica o aumento das cotações mas quando se fala em resultados futuros temos que pensar o que é que de positivo ainda pode acontecer para que as cotações continuem a subir, é que o preço hoje, por definição, já incorpora tudo aquilo que se sabe. E aqui deve começar alguma apreensão quanto a resultados futuros, será que há condições económicas para esperar novas boas notícias para as empresas?

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Se olharmos para as contas da generalidade das empresas cotadas a resposta parece simples. A recessão não está espelhada nem nas contas nem nas perspectivas de crescimento, aliás nem se vêm sinais disso quando se analisa nesta perspectiva, os resultados são bons, há estratégias de crescimento que parecem sustentáveis e a capacidade de investimento é evidente, tanto pelas taxas de juros reduzidas no mercado como até na própria liquidez já detida pelas empresas. Houve portanto um período claro em que se gerou valor para os accionistas, o que justifica o aumento das cotações mas quando se fala em resultados futuros temos que pensar o que é que de positivo ainda pode acontecer para que as cotações continuem a subir, é que o preço hoje, por definição, já incorpora tudo aquilo que se sabe. E aqui deve começar alguma apreensão quanto a resultados futuros, será que há condições económicas para esperar novas boas notícias para as empresas?

Vejamos uma outra perspectiva, a Reserva Federal Americana (FED) decide a política monetária com o duplo objectivo de assegurar um crescimento económico num sistema financeiro estável e o controlo dos preços (inflação). Na segunda quinzena deste mês Ben S. Bernanke, presidente do FED, aceitou dar quatro aulas aos alunos da escola de negócios da Universidade George Washington sobre o funcionamento do FED e a crise financeira que começou em 2007. O conteúdo destas aulas já foi anunciado, assim como as notas de apoio, o que nos confirma as intenções da política monetária conduzida pelo FED. Numa primeira aula apresentam-se as origens e a missão dos Bancos Centrais, numa segunda o papel do FED no período pós segunda guerra mundial e nas duas últimas as respostas à recente crise financeira, focando em especial e naturalmente o papel do FED. A reserva federal vai anunciando as medidas e as politicas que pretende seguir, não apenas por uma questão de transparência do processo mas porque os próprios anúncios têm um efeito imediato nos mercados. A última alteração, anunciada em Dezembro de 2012, teve um aspecto inovador já que não só foram anunciadas as medidas mas porque em vez de estipularem uma data limite para as concretizar disseram que as manteriam até que determinados resultados fossem atingidos, em particular até que a taxa de desemprego descesse para 6,5% ou que a inflação subisse acima dos 2,5%.
Entende-se a bondade das práticas dos Bancos Centrais para estimular a economia. Tenho poucas dúvidas que na Europa, se os políticos pudessem decidir estas coisas em relação ao Banco Central Europeu já há muito que se estariam a criar (imprimir) muitos mais euros e a comprar muitos mais títulos de dívida dos países da zona euro, especialmente os de mais longo prazo. É isso a que temos assistido, nomeadamente no Japão, nos Estados Unidos e na China. Na base deste tipo de medidas está a “convicção” que uma descida das taxas de juros promove o crescimento económico, não há dúvida que o faz, o problema é que quando a taxa de juro é manipulada, o que eu entendo ser o caso quando desce a partir deste tipo de políticas monetárias, há um risco sério de criar inflação, o que para muitos já o caso, o que impedirá que este tipo de medidas se prolongue por muito mais tempo.

Por tudo isto estaremos, é a minha opinião, muito perto de os Bancos Centrais deixarem de ter condições de manter os estímulos à economia que vão praticando desde 2008. Os próprios Bancos Centrais já mudaram o seu discurso. Do FED já se ouvem vários discursos em que se deixa cair que as medidas de estímulo poderão ser reduzidas antes de se atingir o objectivo do nível de emprego, isto não são mais que mensagens a reduzir as expectativas em relação aos futuros estímulos. Do Banco Central da China já se foi mais longe do que gerir expectativas, com efeito o Banco lançou mão há cerca de 15 dias de um mecanismo que visa retirar liquidez ao mercado. Repare-se que a China terá sido, em especial em 2009, o principal responsável por retirar a economia mundial da recessão com medidas de estímulo equivalentes a 20% do PIB chinês, uma brutalidade. É evidente que se a China, o que já começou, começar a retirar os estímulos o impacto no mundo inteiro será para muito breve. Do Japão também nos chegam sinais de mudança, o recentemente reeleito primeiro-ministro, Shinzo Abe, fala que o Banco do Japão tem que agir agressivamente para aumentarem as cotações do mercado accionista e promover o crescimento da economia japonesa mas não ouvimos do próprio Banco nenhuma medida concreta. Isto para mim já diz muito, o Banco do Japão é, juntamente com o FED, o Banco Central que mais abusa da criação de moeda, ora com esta tradição e com a pressão do primeiro-ministro, não anunciar qualquer medida é sem dúvida um aviso que algo mudou no sistema financeiro e que as medidas de estímulo deixaram de poder ser usadas.

Sou de opinião que a inflação já não é um risco mas um problema efectivo. Um estudo recente mostra que os preços praticados nalgumas cidades chineses (Pequim e Xangai) já são superiores aos praticado em Londres ou Nova York. Tendo em conta que o rendimento per capita chinês é cerca de 25% do americano, se isto não é inflação eu vou ali e já venho. Veja-se que só em Janeiro deste ano se realizaram 71 greves na China e as queixas eram genericamente as mesmas, os preços subiram e os ordenados já não chegam para as despesas. Para mim é um facto, já há algum descontrolo na inflação. Alguém pode ter dúvidas que este problema se alastre ao resto do mundo nos próximos meses?

Nós, portugueses, pelo menos os que se lembram do tempo do escudo, conhecemos bem o efeito da emissão de moeda. A desvalorização da moeda pode ajudar os exportadores no curto prazo, ajuda por certo, mas como contrapartida cria inflação e aumenta a prazo as taxas de juro. Os outros podem ser muito maiores mas o efeito vai ser o mesmo. Reparem que os americanos neste momento emitem 84 mil milhões de dólares todos os meses, alguns aumentos de preços já se sentem mas o problema só está a começar, lembremo-nos que a inflação pode demorar a chegar mas quando chega progride muito muito depressa. E o que é que os Bancos Centrais poderão fazer se isso acontecer? Praticamente nada ou pelo menos nada que não prejudique gravemente a evolução da economia. Temos então risco de inflação? Não, temos é um risco de uma crise bem pior que a de 2008, não uma crise financeira, mas uma crise económica, bem real, que ameaçará uma falência geral de todo o sistema.

Não tenho perfil pessimista e acredito pouco nas teorias conspirativas que advogam o fim do mundo económico como o conhecemos hoje mas sinto bem real a ameaça que poderão surgir mudanças enormes nos próximos meses. Como especulador deveria apostar na descida dos mercados accionistas, estes estão nos máximos históricos muito por causa do tal nível perto do zero das taxas de juro que têm sido condicionadas pelos Bancos Centrais e que vão deixar de o ser. Não tenho coragem para isso, é contra a essência de um investidor fazê-lo. Como investidor continuo pacientemente à procura e à espera de oportunidades que me pareçam potenciadoras de gerar valor mas num cenário como o descrito dificilmente teria ou recomendaria neste momento uma exposição ao risco de acções superior a 25% do património. Mas cuidado, os restantes 75% também não os quereria em obrigações, é que se as taxas de juros efectivamente subirem o valor das obrigações terá uma queda substancial. A alternativa são produtos de rendimento fixo de curto prazo e tudo isto à espera de melhores dias ou então das tais oportunidades que com craches financeiros ou não surgirão sempre.

Resumindo e respondendo às perguntas que coloquei no inicio: as medidas de estímulo económico praticadas pelos Bancos Centrais fizeram baixar artificialmente as taxas de juro provocando nomeadamente o aumento na procura de acções que entretanto subiram para máximos históricos. Estas medidas vão deixar de existir, pelo menos com a mesma dimensão, por causa do risco da inflação, o que fará subir as taxas de juro e poderão provocar uma descida violenta nas cotações das acções. A solução é estar mais atento, manter uma grande percentagem do dinheiro em liquidez ou em obrigações de curto prazo e esperar para comprar acções, o que deverá acontecer quando o pessimismo no mercado passar a ser regra.

Consultor em projetos de investimento e seguros de crédito