Argo foi a gota de água: o Irão quer processar Hollywood

As autoridades iranianas querem processar realizadores e produtores de Hollywood pela alegada distorção que os seus filmes fazem do Irão

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Segundo o regime iraniano, Argo descreve os iranianos como irracionais, dementes e diabólicos DR

A aparição de Michelle Obama, em transmissão via satélite, para anunciar Argo como Melhor Filme na última cerimónia dos Óscares, em Fevereiro, não foi vista simplesmente com surpresa pelos espectadores e com desconfiança pelos americanos que se opõem a Barack Obama. A presença da primeira-dama distinguindo o filme de Ben Affleck, que romanceia a história de uma missão da CIA incumbida do salvamento de seis diplomatas americanos durante a chamada “crise dos reféns”, em Teerão, ano 1979, terá sido, para as autoridades iranianas, a gota de água.

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A aparição de Michelle Obama, em transmissão via satélite, para anunciar Argo como Melhor Filme na última cerimónia dos Óscares, em Fevereiro, não foi vista simplesmente com surpresa pelos espectadores e com desconfiança pelos americanos que se opõem a Barack Obama. A presença da primeira-dama distinguindo o filme de Ben Affleck, que romanceia a história de uma missão da CIA incumbida do salvamento de seis diplomatas americanos durante a chamada “crise dos reféns”, em Teerão, ano 1979, terá sido, para as autoridades iranianas, a gota de água.

Terça-feira, ficámos a saber que o Irão tenciona processar realizadores e produtores de Hollywood que acusa de distorcer de forma discriminatória a imagem do país e seus habitantes. E, num desenvolvimento com o seu quê de hollywoodesco, o processo foi entregue pelo regime iraniano a Isabelle Countant-Peyre, advogada francesa casada desde 2001 com Ilich Ramirez Sánchez, que o mundo conhece como Carlos, "o Chacal", o terrorista que desde 1975 cumpre pena de prisão perpétua em França pelo assassinato de dois polícias e um informador. “Irei defender o Irão contra filmes que têm sido feitos por Hollywood para distorcer a imagem do país, como Argo”, afirmou a advogada, convertida ao Islão pouco antes do seu casamento, citada pela agência noticiosa iraniana Isna.

Isabelle Countant-Peyre falava durante uma conferência realizada no Cinema Palestina, em Teerão, segunda-feira. Foi organizada pelo Ministério da Cultura e Orientação Islâmica do Irão sob o título O Embuste de Hollywood. “Argo foi feito por três produtores de Hollywood e a República Islâmica do Irão vai processar todos os que estejam activos no exercício anti-Irão, incluindo realizadores e produtores”, afirmou o secretário-geral da conferência, Mohammad Lesani, citado pelo agência iraniana Mehr. A CNN citava terça-feira as objecções das autoridades de Teerão a Argo: “O filme ‘iranófobo’ americano tenta descrever os iranianos como descontrolados, irracionais, dementes e diabólicos, enquanto, por outro lado, os agentes da CIA são representados como heroicamente patriotas”.

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Argo não foi exibido comercialmente no país DR

filme, que não foi exibido comercialmente no país mas foi visto pelos representantes do regime em algumas sessões privadas (e pelos cidadãos que tenham comprado as cópias-piratas em circulação por todo o território), representa, segundo aqueles, “um ataque propagandístico contra a nação e contra toda a Humanidade”. Em declarações ao Guardian, Omid Memarian, jornalista residente em Nova Iorque que tem desenvolvido trabalhos sobre o cinema iraniano, afirma que “o facto de Michelle Obama ter entregado o Óscar aumentou as suspeitas [do regime] do envolvimento de políticos na criação de filmes deste tipo, que considera anti-Irão ou, mais precisamente, anti-república islâmica”.

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Ben Affleck é o realizador e desempenha o papel principal DR

Hollywood já estava há muito na mira do Governo de Mahmoud Ahmadinejad. Em 2009, o regime exortou um grupo de realizadores e actores americanos de visita a Teerão, no qual que se encontrava, por exemplo, Annette Benning, a pedir desculpa por obras alegadamente insultuosas como 300, filme inspirado na BD de Frank Miller que narra a batalha, em 480 a.C., entre os espartanos liderados por Leónidas e os persas guiados pelo rei Xerxes. 300 é visto como um insulto à memória histórica da nação, pela forma como são representados os persas. Para além dele, também O Wrestler, o filme do renascimento de Mickey Rourke, é considerado uma afronta ao Irão, neste caso pela presença de um lutador que sobe ao ringue como “O Ayatola”. Recuando mais no tempo, encontramos ainda Rapto em Teerão, estreado em 1991 e cuja narrativa, a de uma americana casada com um iraniano, que sofre todo o tipo de violência e discriminações quando emigra para o país do marido, também provoca incómodo às autoridades iranianas. “Fazendo pouco das tradições e costumes iranianos, o filme retrata um casal que vive feliz nos Estados Unidos. Assim que viaja para o Irão, o marido transforma-se inesperadamente de um homem bem formado e muitíssimo culto num animal rústico que força a mulher a ficar no país”, lia-se terça-feira no site da Press TV, canal noticioso iraniano de língua inglesa, detido pelo Estado.

Para Isabelle Coutant-Pierre, tais filmes mostram como “Hollywood está a usar o cinema para propagar o pânico global relativamente ao Irão”. Cita-a a agência noticiosa Fars: “O acto de interpor um processo judicial é em si importante, porque pode fomentar o interesse e a discussão entre os povos do mundo, até que possam distinguir entre o que é verdade e o que são mentiras. O diálogo criado por Hollywood não pode ter apenas um sentido.”

Mesmo antes do processo judicial, o Irão já estava a preparar uma contra-ofensiva, usando as mesmas armas de Hollywood. The General Staff é anunciado pela Press TV como a resposta a Argo. Contará a história de 20 reféns americanos entregues aos Estados Unidos pelos revolucionários iranianos, em 1979. Será financiado pelo Estado iraniano e realizado por Ataollah Salmanian. Entrará na fase de produção em 2014.