Efeitos Secundários

É o melhor filme de Steven Soderbergh desde os bons tempos de The Limey e Erin Brockovich, no final do século passado. Nos últimos anos tem filmado a todo o vapor, alternando entre o formato “ensaístico” (tipo Full Frontal ou Confissões de uma Namorada de Serviço), o glamour de género (a saga dos Ocean''s) e tudo o que estiver entre os dois, uma vezes pior outras melhor, em filmes tão diferentes que só se encontravam na maneira progressivamente mais desgarrada em que o estilo do cineasta se ia espraiando. Aí e na observação de um capitalismo “ordinário”, pequeno e feio, como o do seu filme anterior, Magic Mike, linha temática que é facil fazer remontar a Erin Brockovich e a Traffic, talvez até mais atrás.

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É o melhor filme de Steven Soderbergh desde os bons tempos de The Limey e Erin Brockovich, no final do século passado. Nos últimos anos tem filmado a todo o vapor, alternando entre o formato “ensaístico” (tipo Full Frontal ou Confissões de uma Namorada de Serviço), o glamour de género (a saga dos Ocean''s) e tudo o que estiver entre os dois, uma vezes pior outras melhor, em filmes tão diferentes que só se encontravam na maneira progressivamente mais desgarrada em que o estilo do cineasta se ia espraiando. Aí e na observação de um capitalismo “ordinário”, pequeno e feio, como o do seu filme anterior, Magic Mike, linha temática que é facil fazer remontar a Erin Brockovich e a Traffic, talvez até mais atrás.


Reconhecemo-la, de resto, em Efeitos Secundários, na intriga assombrada por manigâncias corporativas (as grandes farmacêuticas desejosas de despejar anti-depressivos sobre toda a gente que não ande aos pulos de contentes), lançada por um caso de inside trading (que levou para a cadeia o marido da personagem de Rooney Mara), e centrada, basicamente, naquilo que as pessoas fazem, quando os escrúpulos se gastam, para ganharem um bocadinho mais de dinheiro.

Estes elementos temáticos são equilibrados perfeitamente, sem sublinhado algum, para uma meia-hora inicial soberba, espécie de “thriller” psiquiátrico sobre uma rapariga acometida por impulsos suicidas, ambientado entre a Nova Iorque mais fina e a Nova Iorque mais comum. Soderbergh filma com nervo, sem sol (está sempre céu nublado), e empregando um ritmo de série B, cenas muito rápidas onde toda a palha é interdita. Damos por nós, nesse período inicial em que a rapariga parece andar ao Deus dará entre a loucura e os efeitos secundários dos anti-depressivos receitados pelo Dr. Jude Law, a pensar num “melodrama do envenenamento” tipo Gaslight. Depois há um crime, e percebemos que não há razão para desconfiar do Dr. Law, é com ele que o espectador está. O enigma é a rapariga, e dai em diante o nosso olhar sobre ela vai mudar várias vezes, à medida em que o argumento vai também ele dando várias voltas (e é uma medida do sucesso de Soderbergh que essas voltas nunca apareçam aos nossos olhos como surpresas desonestas, truques de argumento como os que o velho Joe Eszterhas tanto apreciava).

A segunda parte do filme, labiríntica, será uma investigação, tão médica como policial, da verdadeira loucura da personagem de Mara. Entra-se num universo progressivamente incómodo, feito de uma sordidez moral pegajosa que avança por todo o lado (até pela vida privada do médico), e a que Soderbergh vai dando uma expressão física, palpável, sem contemplações. Mas o filme aguenta isto porque por sua vez Rooney Mara, livre dos piercings e penduricalhos do Millenium de Fincher, se aguenta sem uma falha no seu jogo entre uma alma “gótica” e uma cara de anjo, e nunca nenhuma actriz foi tão parecida com a Jean Simmons do Angel Face de Preminger. Aqui não há nenhuma marcha-atrás abrupta para acabar com tudo, mas no fundo a história começa com uma abrupta marcha à frente (em direcção a uma parede) - coincidência, claro. Andamos por aí, em todo o caso, num filme que funde o thriller no ambiente do melodrama psicologicamente desequilibrado tão bem que nos põe a pensar em filmes que já não se fazem.