A invenção do Kansas
Para os cinéfilos ferrenhos, é evidente que é um sacrilégio fazer uma prequela de "O Feiticeiro de Oz" - mas apostamos o que quiserem (mesmo com grande pena nossa) que 90 por cento do público que este Oz vai apanhar não conhece o filme de 1939 que fez de Judy Garland uma estrela e entrou no panteão dos clássicos. E foi precisamente isso que a Disney pediu a Sam Raimi: que fizesse um "Feiticeiro de Oz" para quem não conhece o original.
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Para os cinéfilos ferrenhos, é evidente que é um sacrilégio fazer uma prequela de "O Feiticeiro de Oz" - mas apostamos o que quiserem (mesmo com grande pena nossa) que 90 por cento do público que este Oz vai apanhar não conhece o filme de 1939 que fez de Judy Garland uma estrela e entrou no panteão dos clássicos. E foi precisamente isso que a Disney pediu a Sam Raimi: que fizesse um "Feiticeiro de Oz" para quem não conhece o original.
No entanto, mesmo para os cinéfilos ferrenhos, é um prazer e uma surpresa perceber que esta história de “origem” do Feiticeiro - um mágico de tuta e meia do Kansas (James Franco a evocar Clark Gable ou Cary Grant) que um tornado transporta para o reino de Oz - é um filme engenhoso e inteligentemente consciente da sua herança e do seu lugar. Raimi transforma o guião original alimentado da dúzia de livros que L. Frank Baum escreveu sobre a terra de Oz numa reflexão sobre a magia do cinema, estruturada como uma duplicação do percurso original de Dorothy/Judy Garland na estrada de tijoleira amarela (sem leão cobarde nem espantalho, mas com um macaco voador e uma boneca de porcelana).
E o autor de Evil Dead e dos melhores Homem-Aranha tem a inteligência de fazer do “caderno de encargos” uma meditação particularmente americana sobre os próprios mecanismos da ilusão, colocando-se sob o signo de Edison quando o (francamente mais patudo mesmo que igualmente sincero) A Invenção de Hugo de Scorsese se colocava sob a asa europeia de Méliès. Fá-lo com uma ligeireza de toque, um afecto pelo passado, evocando constantemente quer o cinema itinerante dos nickelodeons e outros espectáculos de feira, quer a própria herança (visual e narrativa) da Hollywood clássica, sem nunca cair no ersatz sem alma nem no gratuitismo digital (mesmo que, em direcção ao fim, tudo se “normalize” mais do que seria desejável e do que o fabuloso início daria a entender). A existência de Oz, o Grande e Poderoso podia não ser necessária, mas o resultado final diz que ainda há esperança para o blockbuster - e, de caminho, Tim Burton (cujo espírito parece estar mais presente aqui do que nos seus últimos filmes) bem podia ter umas lições com Sam Raimi.