375 desenhos para pagar dívida à Segurança Social

Margarida Alfacinha tem uma dívida de 7.500 euros por trabalhar a "falsos recibos verdes" e decidiu pintar para pagar ao Estado

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André Tasso Simões

A designer Margarida Alfacinha, ao ver-se confrontada com uma dívida de 7.500 euros à Segurança Social, por trabalhar a “falsos recibos verdes”, decidiu pintar e vender ao público 375 desenhos para angariar dinheiro e pagar ao Estado.

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A designer Margarida Alfacinha, ao ver-se confrontada com uma dívida de 7.500 euros à Segurança Social, por trabalhar a “falsos recibos verdes”, decidiu pintar e vender ao público 375 desenhos para angariar dinheiro e pagar ao Estado.

“Quando uma dívida se torna uma dádiva”, é desta forma que o projecto 375 desenhos é apresentado no blogue criado por Margarida Alfacinha, de 37 anos e mãe de duas crianças, onde dá a conhecer o seu problema. A designer, também artista plástica e gerente de uma loja em Lisboa, explicou à agência Lusa que contraiu a dívida quando “estava numa empresa a tempo inteiro, com um superior hierárquico e horário de trabalho, mas a recibos”, os “chamados falsos recibos verdes”.

“Na altura, com o valor que estava a receber, não tinha possibilidade de pagar [mensalmente] a Segurança Social”, recordou. Margarida Alfacinha assume a dívida como sua e, por isso, quer pagá-la, mas também por achar que é “importante” o seu contributo “para as pessoas receberem as suas pensões, as grávidas irem de licença de maternidade”. “Eu não questiono isso”, sublinhou a designer, que podia optar por recorrer a um empréstimo bancário ou requerer o pagamento por parcelas, “que ia levar juros durante anos e anos”, mas resolveu apelar à criatividade e dividir o valor por desenhos para venda ao público, em local publicitado pelo seu blogue 375desenhos.

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“Quando uma dívida se torna uma dádiva”, diz a designer Susana Jubilado

20 euros por desenho

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A ideia passa por 375 desenhos Helena Carvalho

“São 375 desenhos, porque multiplicados por 20 euros (um valor simbólico no meio artístico e acessível à maioria das pessoas, que neste momento investem pouco em arte) dá o valor da dívida”, disse à Lusa. Os desenhos, que “no fundo são pinturas”, são únicos, numerados, assinados e trabalhados num formato idêntico, em folhas com 24 por 15 centímetros. Para os realizar, Margarida Alfacinha recorreu a material “que tinha disponível no atelier”. “O processo está a ser feito com o que existe, com o que tenho à mão. Todo este projecto é criado através dos recursos que tenho disponíveis na minha vida”, contou.

Nos dias 16 e 17 de Março, os 375 desenhos estarão expostos na Casa da Achada, em Lisboa. No dia 16 entre as 18h30 e as 24h00 e no dia seguinte entre as 18h30 e as 21h00. Quem for à Casa da Achada nesses dias pode ver todos os desenhos, mas “alguns já estão encomendados” e serão enviados pelo correio quando a mostra terminar.

Margarida está “confiante” que irá conseguir juntar os 7.500 euros: “Acredito muito no poder individual, da criatividade e da força do trabalho. Com trabalho e com persistência, acho que é possível chegar a resultados”. Caso não consiga vender os 375 desenhos, Margarida diz que ficará com a certeza de que está “a tentar fazer alguma coisa para melhorar” a sua vida, para “resolver esta questão” e também “para contribuir para ajudar os organismos e as pessoas”. “Porque a Segurança Social também permite que outras pessoas recebam ajuda por parte do Estado, que lhes é devida”, afirmou.

Em 2009, vários movimentos, entre eles o Precários Inflexíveis e o FERVE (Fartos Destes Recibos Verdes) juntaram-se para criar o “Antes da dívida temos direitos”. Estes movimentos não aceitam que os trabalhadores com dívidas à Segurança Social superiores a 4.000 euros sejam obrigados a liquidar os montantes em causa, atendendo a que muitos destes casos dizem respeito a trabalhadores com “falsos recibos verdes”. Em Janeiro, o Parlamento rejeitou, um projecto do Bloco de Esquerda para combater os falsos recibos verdes e aumentar os poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho foi rejeitado pela maioria PSD/CDS-PP e pelo PS, obtendo no entanto os votos favoráveis do PCP, BE e PEV e da deputada do PS Isabel Moreira.