Discurso de Vítor Gaspar na íntegra

1.   

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1.   

O sétimo exame regular marca o princípio do fim do Programa de Ajustamento Económico.

Em abril de 2011, Portugal esteve próximo da bancarrota. A pressão dos desequilíbrios macroeconómicos e dos bloqueios estruturais acumulados durante mais de uma década tornou-se insuportável. Depois da interrupção do acesso ao financiamento privado, Portugal não teve alternativa senão a de recorrer ao financiamento oficial. Na Europa e no Resto do Mundo, Portugal aparecia associado à Grécia.

Desde então, importantes progressos foram alcançados. Em menos de dois anos, as necessidades de financiamento junto do resto do mundo foram quase eliminadas.O alinhamento entre a oferta interna (o que produzimos) e a despesa interna (o que gastamos) corresponde à correção do persistente desequilíbrio da balança corrente e de capital. Recordo que o excesso de despesa em Portugal se prolongou durante mais de dez anos e deixou uma herança de endividamento excessivo das famílias, das empresas e do sector público. O processo de ajustamento em Portugal não requer agora uma diminuição adicional da procura interna.

Esta evolução corresponde ao rápido ajustamento do sistema financeiro. Também este ajustamento foi mais rápido do que o previsto. O fortalecimento do capital e do acesso à liquidez por parte dos bancos portugueses permite agora uma melhoria das condições de financiamento da economia. Esta perspetiva é reforçada pela abertura gradual do acesso ao financiamento junto de investidores internacionais.

O regresso às emissões de obrigações de médio prazo é o símbolo mais visível deste processo. A emissão do dia 23 de janeiro de 2013 distinguiu-se pela elevada procura, pela significativa quota de investidores internacionais (93%) e por uma taxa de juro abaixo dos 5%.

2.   

A melhoria das condições de financiamento depende da acumulação de credibilidade e confiança junto dos nossos parceiros internacionais.

A continuação da acumulação de credibilidade e confiança assenta no cumprimento do Programa de Ajustamento Económico de forma consistente nas suas várias dimensões. Foi o que Portugal conseguiu ao longo dos últimos dezoito meses. O esforço de ajustamento é notável e visível. Portugal aparece (com a Irlanda) como exemplo de vontade e de capacidade de ajustamento dentro da área do euro.

Ao nível da consolidação orçamental, Portugal cumpriu todos os limites trimestrais para o défice das Administrações Públicas em fluxo de caixa definidos no Programa – este cumprimento aplica-se, em particular, aos importantes limites anuais em 2011 e em 2012. Em termos estruturais, dois terços do ajustamento orçamental estão já concluídos.

Desde o início do Programa, a estabilidade financeira tem sido reforçada. O sistema bancário português encontra-se hoje mais capitalizado, com uma base de depósitos estável e com acesso a níveis adequados de liquidez. Estão criadas as condições para que os bancos possam conceder crédito à economia a um custo adequado. A canalização de poupanças para o financiamento de investimento produtivo, em particular no sector dos bens transacionáveis, é, em 2013, condição necessária para a recuperação económica.

No que respeita à agenda de transformação estrutural, o grau de execução é muito elevado. As reformas estruturais já lançadas são ambiciosas e abrangentes. Caminhamos para uma economia mais aberta e concorrencial, um mercado de trabalho mais flexível, um mercado do produto liberalizado e um sistema judicial mais célere e transparente. Esta evolução contribui para um maior dinamismo ao setor empresarial português. O programa de privatizações, por sua vez, tem tido um papel determinante na abertura da economia portuguesa ao exterior e na captação de novas fontes de financiamento.

3.   

O cumprimento do Programa é inequívoco e os progressos alcançados são significativos. Dados recentemente divulgados, relativos ao quarto trimestre de 2012, levantam interrogações.

Os resultados apresentados pelo INE requerem uma análise completa e ponderada da evolução da atividade económica.

Antes de mais, os desenvolvimentos negativos registados no quarto trimestre de 2012 não se limitaram à economia portuguesa. A maioria dos países da União Europeia registou uma variação trimestral do produto negativa. Esta evolução foi comum aos nossos maiores parceiros comerciais.

De acordo com a estimativa rápida do Eurostat, também o PIB da área do euro decresceu no quarto trimestre, quer em comparação com o trimestre anterior, quer em termos homólogos. No conjunto do ano de 2012, o PIB da área do euro terá caído 0,5%, o que representa uma revisão ligeira face aos 0,4% avançados pela Comissão Europeia no outono. Para além de Portugal, também a França, a Holanda, a Áustria e a Finlândia tiveram um desempenho abaixo do esperado no quarto trimestre de 2012, que se refletiu numa revisão em baixa do crescimento para o conjunto de ano. No caso da Finlândia, a evolução do quarto trimestre causou mesmo uma revisão qualitativa da previsão da Comissão: o PIB terá registado uma queda anual de 0,4%, enquanto se esperava um crescimento de 0,1% face a 2011.

Retomando a análise da economia portuguesa, é importante sinalizar que a evolução do PIB no último trimestre do ano se deve a duas forças contraditórias. Por um lado, o contributo da procura externa líquida diminuiu significativamente. Por outro, o contributo da procura interna foi menos negativo do que anteriormente. Esta atenuação da queda da procura interna está em linha com a evolução esperada ao longo de 2013. Também os indicadores coincidentes de atividade económica do INE e do Banco de Portugal, bem como o indicador avançado da OCDE apontam para uma ligeira recuperação no final de 2012.

Não obstante estes sinais mais positivos, os desenvolvimentos do quarto trimestre de 2012 terão um impacto negativo na atividade económica do ano corrente. Como habitualmente, haverá uma revisão das perspectivas económicas no sétimo exame regular, que tem início já na próxima segunda-feira. Neste momento, o meu julgamento provisório aponta para uma revisão em baixa da previsão da atividade económica da ordem de 1 ponto percentual. Naturalmente, a avaliação da situação e perspetivas económicas será um dos temas centrais do sétimo exame regular. Os resultados serão, como habitualmente, divulgados no final do exame regular após terem sido consensualizados com a missão internacional.

4.   

As implicações para o ritmo de ajustamento orçamental terão de ser ponderadas. A situação justifica um acento acrescido na importância do ajustamento orçamental estrutural.

A alteração das condições macroeconómicas terá consequências no perfil do ajustamento orçamental que terão de ser ponderadas com a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu durante o sétimo exame regular. Neste contexto será em particular avaliada a concretização das medidas contingentes de 0,5% do PIB anunciadas já em outubro de 2012. A composição destas medidas será uma combinação de poupanças em execução orçamental ao longo de 2013 com os efeitos das poupanças orçamentais estruturais e permanentes decorrentes do processo de reforma do Estado.

A revisão do produto tem também implicações para o ritmo de ajustamento nos anos subsequentes. É preciso ponderar os efeitos do ajustamento orçamental na atividade económica e na sustentabilidade a prazo da dívida pública. Penso que a credibilidade acumulada depois de seis exames regulares bem sucedidos justifica uma atenção reforçada às medidas estruturais de ajustamento orçamental. Esta ênfase é desejada e bem-vinda. De facto, em 2011 e 2012 Portugal registou um ajustamento estrutural da ordem dos 6 pontos percentuais do PIB.

No contexto do procedimento dos défices orçamentais excessivos, a Comissão Europeia tem conferido um peso acrescido às medidas de saldo estrutural. Sendo assim, é razoável conjeturar que a Comissão Europeia ponderará, em tempo oportuno, propor ao Conselho ECOFIN, o prolongamento por um ano do prazo concedido a Portugal para corrigir a situação de défice orçamental excessivo.

A consideração de uma alteração do perfil de ajustamento orçamental só é viável devido à acumulação de credibilidade e confiança que Portugal tem obtido junto dos seus parceiros internacionais. O cumprimento do Programa é um ativo que Portugal construiu ao longo do tempo. A este investimento corresponde uma flexibilidade acrescida no presente. O acesso ao mercado permite reconciliar esta acrescida margem de manobra com a manutenção global do envelope financeiro do Programa.

Estas questões fundamentais para a condução da política orçamental no médio prazo em Portugal, estarão também no centro da agenda do sétimo exame regular. Nesta perspetiva o ajustamento orçamental em Portugal poderia ocorrer de uma forma mais gradual e prolongada no tempo.

A conjugação dos níveis nacional, europeu e global da crise torna o caminho do ajustamento para Portugal árduo e estreito. O consenso nacional em torno da necessidade de cumprir os compromissos europeus de Portugal é um ativo fundamental. O cumprimento da condicionalidade do programa é condição para Portugal beneficiar do seguro da solidariedade dos nossos parceiros europeus no processo de normalização das condições de financiamento da economia portuguesa.

5.   

E concluo, reafirmando a singularidade do sétimo exame regular.

O sétimo exame regular marca o princípio do fim da assistência oficial a Portugal. Marca a transição entre a urgência do ajustamento e a prioridade da estabilidade e da sustentabilidade do crescimento e da criação de emprego.

No início do Programa, a situação de crise e emergência nacional colocou a ênfase no curto prazo. Foi necessário proceder à rápida correção dos desequilíbrios acumulados para assegurar a sustentabilidade das finanças públicas e para reforçar a estabilidade do sistema financeiro. Só com ações e políticas financeiras firmes foi possível demonstrar a vontade inequívoca de cumprir o programa. Por isso asseguraram-se seis exames regulares bem sucedidos bem como a continuidade do financiamento oficial.

Neste momento, os principais desequilíbrios macroeconómicos estão corrigidos, o sistema bancário está mais estável e a transformação estrutural decorre a bom ritmo. A credibilidade e confiança acumuladas permitiram também iniciar o processo de regresso completo aos mercados de obrigações. A uma importante operação de troca de dívida em outubro, sucedeu-se uma emissão de Obrigações de Tesouro de médio prazo em janeiro. Não existem necessidades de tesouraria no imediato, mas Portugal continuará atento às oportunidades surjam para garantir atempadamente um acesso estável e regular ao financiamento após junho de 2014.

Estão reunidas as condições necessárias para considerar a política económica e financeira num horizonte mais amplo, para construir os alicerces para um crescimento sustentado. É do investimento privado e do crescimento que resultará a criação de emprego. É pela criação de empregos pelas empresas privadas que se inverterá a evolução do desemprego.

O desemprego é um flagelo pessoal, familiar e social. É a preocupação mais saliente dos portugueses. A minha preocupação concentra-se sobretudo o desemprego dos mais jovens que atingiu níveis elevadíssimos. O desemprego tem persistido durante demasiado tempo. Recordo que o agravamento do desemprego estrutural é uma tendência alarmante que se verifica desde o início do século XXI.

As políticas sociais e as políticas ativas de emprego têm minorado as consequências dramáticas do desemprego. Estas políticas são meros paliativos. Em 2013 criaremos as condições para a recuperação do investimento e da atividade económica. É do crescimento sustentado que resultará a criação durável de emprego.

Nesta nova fase do Programa de Ajustamento, a prioridade do Governo é relançar o investimento. Este será o tema central do próximo exame regular. Em particular, será discutida a importância da concessão de crédito à economia. Será necessário garantir que a melhoria do financiamento do Tesouro junto dos mercados de obrigações é transmitida às condições agregadas de financiamento da economia. Em particular, é preciso assegurar a transmissão da melhoria das condições financeiras às empresas dependentes de crédito bancário. O Governo está determinado em mobilizar a capacidade de concessão de crédito dos bancos que receberam capital público para efeitos da sua recapitalização. Neste contexto, serão especificamente considerados os meios previstos nos respetivos instrumentos contratuais.

Será também discutida a tomada de medidas fiscais para incentivos apropriados ao novo investimento. Estas iniciativas deverão ter um impacto positivo no investimento ainda este ano, permitindo assim atenuar a queda da procura interna e dar início à recuperação cíclica da economia portuguesa.

Nos últimos meses, Portugal acumulou progressos, recuperou credibilidade, ganhou estabilidade. A prioridade daqui para a frente é consolidar a estabilidade, aprofundar a transformação estrutural e garantir o crescimento sustentado e criador de emprego. São estas as bases da confiança.