Este Comboio Nocturno para Lisboa não apita grande coisa
A adaptação do romance de Pascal Mercier com Jeremy Irons, rodada numa Lisboa turística, não convence Berlim
Este ano, o cineasta dinamarquês traz outro telefilme bolorento e deslavado: a adaptação do best-seller de Pascal Mercier Comboio Nocturno para Lisboa (selecção oficial fora de concurso), sobre um académico suíço (Jeremy Irons) que viaja para Lisboa em busca de respostas para o mistério que rodeia uma jovem que ele salvou do suicídio mas que depois desapareceu misteriosamente, deixando para trás um livro escrito por um médico português durante o regime de Salazar.
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Este ano, o cineasta dinamarquês traz outro telefilme bolorento e deslavado: a adaptação do best-seller de Pascal Mercier Comboio Nocturno para Lisboa (selecção oficial fora de concurso), sobre um académico suíço (Jeremy Irons) que viaja para Lisboa em busca de respostas para o mistério que rodeia uma jovem que ele salvou do suicídio mas que depois desapareceu misteriosamente, deixando para trás um livro escrito por um médico português durante o regime de Salazar.
A história navega entre os nossos dias, onde Irons reconstrói a história do médico com a ajuda da oftalmologista Martina Gedeck, e os anos 1970, durante os quais assistimos ao triângulo amoroso que se cria entre Jack Huston (o médico de boas famílias), August Diehl (o seu melhor amigo, combatente antifascista) e Mélanie Laurent (a mulher por quem ambos se apaixonam) com a repressão em fundo.
Nenhum dos actores principais é português – reconhecemos, durante o filme, em pequenos papéis, Beatriz Batarda e Marco d'Almeida, Nicolau Breyner e Adriano Luz – e, na conferência de imprensa com que o filme foi apresentado, a única presença portuguesa foi a co-produtora Ana Costa. Faz sentido: este não é um filme português, a participação lusa é minoritária, o financiamento é essencialmente alemão e suíço. Comboio Nocturno para Lisboa não é sequer um filme histórico, é um melodrama romântico que se dirige ao público de “máximo denominador comum” dos “euro-pudins” que achávamos já terem acabado.
A imprensa que estava na sala bem tentou puxar a conversa para a dimensão política subjacente à história; uma jornalista chilena perguntou se, depois de A Casa dos Espíritos e Mandela, Bille August tem uma atracção particular por histórias sobre revoluções. Mas o dinamarquês não vê a questão política da ditadura de Salazar como o centro do filme: antes o desejo do professor suíço de Jeremy Irons fugir à modorra e à banalidade do seu dia-a-dia, e viver – mesmo que por procuração – uma aventura romântica, sentir a paixão do triângulo amoroso dos anos 1970.
O que poderia ser perfeitamente aceitável não se desse o caso do filme de Bille August não ter pinga de paixão, pinga de chama, pinga de alma – e as primeiras críticas têm em comum a mesma palavra: “tédio”. Na crítica publicada na revista The Hollywood Reporter, David Rooney chama ao filme “extraordinariamente entediante”, dirigido por August com uma “rejeição decisiva de qualquer imaginação ou estilo”; na Variety, Boyd van Hoeij diz que Comboio Nocturno para Lisboa faz o “antifascismo português parecer tão perigoso como comer um pastel de nata”.
Lisboa é uma cidade fotogénica, é verdade, mas Bille August e o seu director de fotografia, Filip Zumbrunnen, alinham todos os lugares-comuns da cidade – os eléctricos, a ponte 25 de Abril, o Bairro Alto, os cacilheiros e a Baixa. A ideia, como o realizador explicou, sempre foi mostrar o lado mais turístico de Lisboa, mais exótico, como se estivéssemos a ver a cidade pela primeira vez – Jeremy Irons confessou ter gostado muito mais de Lisboa desta vez do que quando cá esteve para A Casa dos Espíritos. Cita o “maravilhoso desmoronamento” da cidade velha como aquilo que lhe dá personalidade, mais do que as zonas mais modernas.
Comboio Nocturno para Lisboa é um filme que trabalha apenas com lugares-comuns, tal como as declarações que Irons, August e os restantes actores presentes (Gedeck, Huston e Laurent) fizeram na conferência de imprensa, e as perguntas de jornalistas atraídos mais pelo coeficiente glamour do elenco do que pelo interesse no filme. É um filme que quer acreditar que há público para ir às salas de cinema ver uma coisa que parece pertencer mais ao pequeno ecrã. Haverá?
Artigo corrigido: a história desenrola-se nos anos 1970, não 1940, como estava escrito.