A vida em busca do sonho
Juntamente com 00h30 a Hora Negra e Django Libertado, O Mentor é o terceiro grande filme ignorado pelas principais nomeações aos Óscares (restringidas apenas aos seus três actores principais, Joaquin Phoenix, Philip Seymour Hoffman e Amy Adams). Mas, enquanto Quentin Tarantino e Kathryn Bigelow pagaram o preço da controvérsia temática, Paul Thomas Anderson pagou o preço da perplexidade com que O Mentor foi recebido ao longo dos últimos meses. E, no entanto, vistos em conjunto, os três filmes formam um peculiar tríptico sobre o “lado escuro” da América que pode explicar, em parte, o desconforto com que foram recebidos.
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Juntamente com 00h30 a Hora Negra e Django Libertado, O Mentor é o terceiro grande filme ignorado pelas principais nomeações aos Óscares (restringidas apenas aos seus três actores principais, Joaquin Phoenix, Philip Seymour Hoffman e Amy Adams). Mas, enquanto Quentin Tarantino e Kathryn Bigelow pagaram o preço da controvérsia temática, Paul Thomas Anderson pagou o preço da perplexidade com que O Mentor foi recebido ao longo dos últimos meses. E, no entanto, vistos em conjunto, os três filmes formam um peculiar tríptico sobre o “lado escuro” da América que pode explicar, em parte, o desconforto com que foram recebidos.
Dos três, O Mentor é contudo o mais opaco e desconcertante dos três. Acompanhando uma década na vida de um veterano da II Guerra Mundial que, desajustado da “nova América”, se deixa seduzir pelas ideias de um guru carismático, o sucessor de Haverá Sangue, grandiosamente fotografado nas cores fortes do melodrama clássico por Mihai Malaimare Jr., esquiva-se a encontrar um centro, parece flutuar um pouco ao sabor do acaso (tal como a sua personagem principal). Paul Thomas Anderson não dá grandes pistas, espera que seja o espectador a unir os pontos - é, evidentemente, de propósito: se há coisa que ele sempre foi é um cineasta cerebral, e tudo o que se passa sob a fachada gloriosa da América pós-II Guerra Mundial, do we've never had it so good que Hollywood cristalizou, passa-se apenas na cabeça das suas personagens.
São gente que procura uma panaceia para se reintegrar, que tenta reencontrar a inocência desses anos dourados antes da guerra ter tornado tudo sujo e doloroso. Essa panaceia pode bem ser a “causa” que Lancaster Dodd defende com a esperança de encontrar a solução - e, mais do que o filme à volta da Cientologia que tanto se especulou ser, O Mentor torna-se então numa alegoria de uma América caída “em pecado”, procurando reencontrar a saída do labirinto em que se deixou fechar. Freddie, o alcoólico psicótico de Joaquin Phoenix, não quer outra coisa que não seja apagar ou esquecer o passado, mesmo que isso seja impossível - busca a tal “segunda oportunidade” mitificada no “sonho americano” mas começa a perceber que talvez o mais que consiga encontrar seja o ópio do povo (álcool, sexo, religião). Dodd, o guru carismático de Philip Seymour Hoffman, é o homem compreensivo que acredita no que os outros não querem sequer ver e que lhe oferece uma possibilidade de redenção, mesmo que dentro de um quadro específico. Acreditará realmente Freddie na Causa? Acreditará realmente Dodd em Freddie? O individualismo não se dá bem com a comunidade que lhe tente pôr rédea curta - é a contradição inerente ao sonho americano, é a lição que a América quase nunca consegue aprender.
E o que Anderson faz, puxando ao máximo o glamour, a perfeição ideal dos anos da abundância, é contrastá-lo com a angústia existencial, talvez irresolúvel, de uma sociedade que esconde a ansiedade por trás da fachada. Dificilmente se poderia encontrar melhor ilustração disso do que a música discordante e sedutora de Jonny Greenwood dos Radiohead, perfeita transcrição sensorial do carrocel de emoções e identidades de O Mentor. Que, desde já, é um dos grandes filmes americanos dos últimos anos: um melodrama dos anos 1950 reencarnado numa busca existencial dos anos 1970 que não é o “Grande Filme Americano” que muitos esperavam. Apenas um grande filme sobre a América. De ontem, tal como de hoje.